Aceitemos os fatos da biologia
Na autobiografia Caminhos e Escolhas, de 2004, do empresário Abilio Diniz, o médico Bernardino Tranchesi relata: "Eu acompanhei um caso muito grave pelo qual o João Paulo passou anos atrás. Ele teve diagnosticada uma hipertrofia do miocárdio. Trata-se de uma doença congênita que no coração que costuma matar atletas...
Na autobiografia Caminhos e Escolhas, de 2004, do empresário Abilio Diniz, o médico Bernardino Tranchesi relata: “Eu acompanhei um caso muito grave pelo qual o João Paulo passou anos atrás. Ele teve diagnosticada uma hipertrofia do miocárdio. Trata-se de uma doença congênita no coração que costuma matar atletas. No caso de João Paulo, que é atleta, foi recomendado que não praticasse mais nenhum tipo de esporte. Nada. Nem atravessar a rua correndo ele podia, sob pena de morrer de um ataque fulminante. Você imagina que isso caiu como uma bomba naquela casa!”
Ontem, João Paulo Diniz (foto), de 58 anos, morreu de um ataque cardíaco fulminante em Paraty, no Rio de Janeiro, um dia depois de participar de uma prova esportiva de alta performance, ao lado do triatleta Juraci Moreira, que escreveu no Instagram: “Nadamos e remamos por 13KM no maravilhoso cenário do Saco do Mamanguá… minha dupla @joaopaulodinizoficial mandou bem demais e se tivesse a categoria + 100 anos a gente tava no pódio kkk 43 anos meus e 58 anos do João… prazer estar ao seu lado JP… “. No dia seguinte à prova de triatlo, João Paulo Diniz jogou tênis e correu durante quatro horas. Ao chegar em sua casa, tombou morto no banheiro.
O que aconteceu entre João Paulo Diniz ser diagnosticado com hipertrofia no miocárdio e ontem, quando morreu? Ele se submeteu aos tratamentos disponíveis e talvez médicos tenham assegurado que poderia continuar a praticar esportes, embora não no mesmo ritmo de antes de receber o diagnóstico.
Não se trata, aqui, de especular sobre as razões específicas da morte de João Paulo Diniz, mas de refletir sobre até que ponto podemos enfrentar a biologia. Doenças cardíacas matam pessoas de qualquer idade, jovens ou velhas, e a medicina tem limites para curá-las. Eu sofro de arritmia cardíaca, passei por uma ablação e, ainda assim, terei de tomar remédios pelo resto da vida. Os médicos recomendam que eu faça exercícios físicos, é bom para o coração e todo o resto, mas sem exagerar. Não apenas por causa da arritmia, mas por ter 60 anos — pouco mais do que João Paulo Diniz. O envelhecimento aumenta o risco cardíaco, simples assim. E aumenta em sedentários e não sedentários.
Vivemos a ilusão de que a velhice pode ser continuamente adiada. São inegáveis os avanços na medicina, na nutrição, nas ciências do esporte e na cosmética, no sentido de nos manter mais joviais, produtivos e autoconfiantes durante um tempo mais longo da nossa existência. Mas não podemos perder de vista que o processo de envelhecimento é inexorável e que há uma fronteira intransponível para o número de anos que podemos viver da mesma maneira que vivemos na juventude — ou nas diferentes juventudes.
Não estou preconizando que pessoas na faixa dos 50 e 60 anos voltem a ter o mesmo comportamento dos seus avós. O que sugiro é que tenhamos uma resignação serena e aceitemos que o conceito de boa saúde muda a cada década vivida. Sou de opinião que esportes de alta intensidade, por exemplo, deveriam ser muito bem dosados por gente que já ultrapassou o meio século de vida. Pode-se continuar correndo, nadando, pedalando, saltando, lutando, jogando seja o que for — mas devagar com o andor que o barro pode rachar, por mais que os seus exames de check-up estejam bons.
Não lutemos inutilmente contra os fatos da biologia.
Quanto a João Paulo Diniz, tínhamos um amigo em comum, Gero Fasano, que foi também seu sócio. Ele resumiu assim o seu sentimento: “Se todos os ricos e poderosos brasileiros tivessem a educação e a consciência de João Paulo, o Brasil seria um país melhor”.
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