A Ucrânia sou eu, a Ucrânia é você
O Brasil não é de outro planeta, só metaforicamente, e é por isso que devemos olhar pela janela, de vez em quando, para ver o que está ocorrendo no exterior. Os sinais que vêm da Europa são inquietantes, e não é recomendável achar que os fatos não têm nada a ver conosco. Aproveitando-se da tibieza mostrada até agora pelos Estados Unidos e por seus aliados europeus, o tirano russo Vladimir Putin (foto) resolveu colocar 100 mil soldados na fronteira com a Ucrânia, armados até os dentes. Em 2014, ele anexou a Crimeia, no que é ainda considerada uma invasão de território ucraniano. Agora, Vladimir Putin quer mais: não apenas a aceitação formal de que a Crimeia faz parte da Rússia, como a anexação de outras regiões separatistas da Ucrânia, que já estão sob controle de milícias ligadas a Moscou...
O Brasil não é de outro planeta, só metaforicamente, e é por isso que devemos olhar pela janela, de vez em quando, para ver o que está ocorrendo no exterior. Os sinais que vêm da Europa são inquietantes, e não é recomendável achar que o fatos não têm nada a ver conosco.
Aproveitando-se da tibieza mostrada até agora pelos Estados Unidos e por seus aliados europeus, o tirano russo Vladimir Putin (foto) resolveu colocar 100 mil soldados na fronteira com a Ucrânia, armados até os dentes. Em 2014, ele anexou a Crimeia, no que é ainda considerada uma invasão de território ucraniano. Agora, Vladimir Putin quer mais: não apenas a aceitação formal de que a Crimeia faz parte da Rússia, como a anexação de outras regiões separatistas da Ucrânia, que já estão sob controle de milícias ligadas a Moscou. Sem freios, Vladimir Putin exige que a Otan, a aliança militar do Ocidente, nascida sob a Guerra Fria, não aceite em hipótese nenhuma a Ucrânia como membro e exige que países outrora considerados da esfera de influência da Rússia, como Romênia e Bulgária, deixem a Otan. Ao que tudo indica, desse pacote fazem parte a Polônia e as três pequenas repúblicas bálticas — Estônia, Letônia e Lituânia. Todas essas nações integram também a União Europeia.
O tirano russo exigiu que os Estados Unidos respondessem às suas exigências por escrito, e Joe Biden acabou aceitando o que vem sendo considerado um ultimato. Depois da saída vergonhosa das tropas americanas do Afeganistão, o presidente dos Estados Unidos tentou, a princípio, relativizar o alcance de uma invasão russa da Ucrânia, assim como os seus aliados europeus, dependentes do gás russo e mais preocupados com suas questões políticas internas. Mas a negação da realidade já está se esmaecendo. Joe Biden, que manteve o fornecimento regular de equipamentos militares para a Ucrânia, reconheceu a possibilidade real da invasão do país, mandou que familiares de diplomatas americanos saíssem da capital ucraniana, Kiev, e agora pensa em deslocar tropas para o Leste da Europa, como noticiou o jornal The New York Times. As últimas notícias dão conta que a Nato já começou a mandar navios e aviões militares para a região. A certeza que vai se sedimentando é que a Rússia pretende fazer uma guerra-relâmpago e tomar Kiev. A Ucrânia tem grandes reservas mineiras, de petróleo e de gás e é uma espécie de celeiro da Europa.
Neste fim de semana, o Reino Unido divulgou que Vladimir Putin quer instalar um governo fantoche na Ucrânia. De certa forma, ele já tem um governo fantoche na Bielo-Rússia, país que também faz fronteira com a Ucrânia. O Exército russo comanda o espetáculo contra os opositores ao atual presidente bielo-russo, na condição de “força de paz”. Na verdade, o que existe hoje é uma ocupação militar da Bielo-Rússia. O que Vladimir Putin quis evitar foi que ocorresse lá o que aconteceu em 2014, na Ucrânia, quando o presidente na ocasião, pró-Moscou, foi derrubado e substituído por um governo pró-ocidental. Em resposta, o tirano russo invadiu a Crimeia. O Ocidente praticamente fingiu que não viu, limitando-se a impor sanções que não fizeram muita diferença para a Rússia.
Além da ameaça de invasão iminente da Ucrânia, Vladimir Putin deixou claro que, se as suas exigências não fosse atendidas na Europa, ele enviaria mísseis para Cuba (como na crise de 1962) e Venezuela, ditaduras com as quais mantém laços estreitos, para as quais fornece armamentos e nas quais dispõe de “conselheiros militares”. Ou seja, um conflito que parece longe do Brasil pode resultar na instalação formal de uma base de uma ditadura nuclear num país fronteiriço ao nosso. Não parece uma boa ideia ter o exército russo como vizinho. E vizinho em conluio com um regime que deseja exportar a sua “revolução bolivariana” para o restante da América do Sul. É preciso conter Vladimir Putin também nas suas pretensões em nosso subcontinente.
Muita gente, inclusive no Brasil, pensa como Neville Chamberlain, o primeiro-ministro britânico que aceitou entregar a então Checoslováquia a Adolf Hitler, antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, visto que se tratava de “uma briga em um país distante entre pessoas das quais nada sabemos”. Contemporizar com o ditador nazista provou ser uma péssima ideia. Se já não havia países tão longínquos assim na década de 1930, as distâncias agora estão muito menores, e não apenas na Europa, porque a economia internacional está, mais do que nunca, intimamente conectada.
Se Vladimir Putin sentir-se livre para invadir países e restabelecer, na prática, as fronteiras que existiam na época da Guerra Fria, outra teoria daquela época será ressuscitada — a do dominó. A China não teria mais pejo em invadir Taiwan, para apropriar-se de um território que considera seu. A tensão entre os dois países é crescente e o Japão está perto demais para não preocupar-se. Chineses e japoneses disputam a posse de ilhas próximas. Se você acha que Taiwan não tem importância, saiba que é lá que está instalada boa parte da indústria de ponta que desenvolve e fabrica chips de computadores e celulares.
Assim como entre indivíduos, existem imperativos morais entre as nações. Abandonar a Ucrânia ao russos é imoral. A imoralidade na década de 1920 foi sinistra. Sob a batuta de Josef Stalin, os russos mataram de fome quase 4 milhões de ucranianos, no que é chamado de “Holocausto ucraniano”, Holodomor. Depois, foi a vez de o país sofrer com a carnificina nazista. Os episódios descritos em livros como Bloodlands, do historiador americano Timothy Snyder, são arrepiantes. No total, segundo ele, soviéticos e nazistas mataram 14 milhões de pessoas no território que compreende Ucrânia, Bielo-Rússia, repúblicas bálticas e oeste da Rússia. Seja por fome ou execução.
Da mesmo forma que todos os valentões que apareceram na história da humanidade, Vladimir Putin só entende uma linguagem — a da força.
A Ucrânia sou eu, a Ucrânia é você.
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