A morte pede carona
Prezado negacionista, você usou a sua liberdade individual como um escudo contra a vacina da Covid-19. Muito bem, ninguém o forçou a profanar esse templo sagrado que é o seu corpo. Agora você invoca a mesma liberdade individual, assim como o direito de ir e vir, para tentar impedir a adoção dos passaportes da vacina...
Prezado negacionista,
Você usou a sua liberdade individual como um escudo contra a vacina da Covid-19. Muito bem, ninguém o forçou a profanar esse templo sagrado que é o seu corpo. Agora você invoca a mesma liberdade individual, assim como o direito de ir e vir, para tentar impedir a adoção dos passaportes da vacina.
O presidente Jair Bolsonaro (foto), como sempre, é seu aliado. O ministro da Saúde Marcelo Queiroga (foto) também andou dizendo que às vezes é melhor morrer do que perder a liberdade. Finalmente, o PTB entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal, questionando leis de sete estados e do município do Rio de Janeiro que restringem a entrada de pessoas não imunizadas em locais públicos e privados.
Permita-me perguntar se você concorda com quem faz ligações clandestinas de água e eletricidade, enquanto você, um cidadão de bem, paga em dia as suas contas. Não é só gente pobre que age assim, tem muito endinheirado, e até indústrias, fazendo gato por aí.
Suponho que você considere as pessoas que se beneficiam desse jeito da água e da eletricidade um bando de aproveitadores.
Os fornecedores desses bens têm duas alternativas para lidar com o problema: podem tentar incentivar os clandestinos a regularizar sua situação, com um desconto na tarifa, por exemplo; ou podem chamar a fiscalização para arrancar a coisa toda e deixar o malandro na seca e no escuro.
Arrisco imaginar que essa segunda alternativa é a mais justa para você, pois o desconto premia o pilantra – e a diferença provavelmente vai ser repassada pelo fornecedor a todos os outros consumidores.
Peço agora que você olhe a questão da Covid pela mesma ótica. Quem não se vacina, acaba se beneficiando da imunidade coletiva sem ter colaborado para alcançá-la. É como se fizesse um gato nessa fonte de saúde pública construída a duras penas.
Os economistas chamam quem se comporta dessa maneira de “caronista”, ou “free rider”, em inglês: um sujeito que usufrui de um bem coletivo sem contribuir com nada. A recusa às vacinas aparece com frequência nas discussões desse tema.
Assim como acontece no caso da água e da eletricidade, é possível incentivar as pessoas a se imunizar, tornando as vacinas acessíveis e grátis. Foi assim no Brasil. Mas, quando o incentivo falha, pode ser necessário desencorajar os free riders – e o passaporte vacinal é uma maneira de fazer isso, tanto quanto a retirada das ligações clandestinas.
Na verdade, o caroneiro da imunidade coletiva é muito mais pernicioso do que outros caroneiros, porque ele não apenas deixa de contribuir, como ainda põe em risco todo o esforço de combate à doença. Sua escolha traz perigo a quem vive ao seu redor e ainda favorece o surgimento de variantes do vírus.
Sim, prezado negacionista. Além de ser um picareta enrolado no manto dos princípios elevados (viva a liberdade!), você é como o personagem de Rutger Hauer naquele filme dos anos 80. Ele andava pelas estradas, torturando e matando os incautos que fossem gentis e parassem o carro para ele. O nome do filme é A Morte Pede Carona.
Espero que o STF confirme a legalidade do uso dos passaportes vacinais. Acho que é isso mesmo que vai acontecer.
Sinceramente,
um antagonista
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