A morte do futebol A morte do futebol
O Antagonista

A morte do futebol

avatar
Rodolfo Borges
5 minutos de leitura 10.12.2022 10:45 comentários
Esportes

A morte do futebol

O futebol acabou, decretou Juan Manuel Lillo em artigo no The Athletic. Juanma Lillo nunca ganhou um título como treinador, mas é famoso por ser o mentor de Pep Guardiola, considerado o melhor técnico do mundo. Para o espanhol, o propósito do jogo foi…

avatar
Rodolfo Borges
5 minutos de leitura 10.12.2022 10:45 comentários 0
A morte do futebol
Neymar disputa bola na derrota para a Croácia. (Foto: Lucas Figueiredo/CBF)

O futebol acabou, decretou Juan Manuel Lillo em artigo no The Athletic. Juanma Lillo nunca ganhou um título como treinador, mas é famoso por ser o mentor de Pep Guardiola, considerado o melhor técnico do mundo. Para o espanhol, o propósito do jogo foi subvertido e ele nem ousa nomear o que tomou o lugar do bom e velho esporte bretão. Segundo Lillo, agora só se pensa nos consumidores, e não nos torcedores, “a indústria precisa do dinheiro da TV”. Traduzindo: o futebol nessa situação e os caras jantando carne folheada a ouro.

Lillo faz seu mea-culpa. Ajudou a popularizar um esquema de jogo engessado. “É engraçado agora como todo mundo fala em bloco alto, bloco baixo… os únicos blocos que eu conheço são blocos de apartamentos. Com garagem? Sem garagem?”, debocha. De fato, os sistemas de defesa evoluíram muito nas últimas décadas. Junto com eles, subiu também a velocidade dos contra-ataques, o que inibe os atacantes a se arriscar, com medo do contragolpe, como destaca o espanhol.

O jogo de quartas de final em que a Croácia eliminou o Brasil nos pênaltis ilustra perfeitamente essa dinâmica, que se repete sempre que um time tem muito mais qualidade do que o outro. A partida se iguala na disciplina e no empenho do mais fraco. Os croatas foram tão eficientes quanto os brasileiros, marcaram a mesma quantidade de gols e, como têm feito desde a fase eliminatória da Copa de 2018, levaram a partida para os pênaltis. Isso não é a morte do futebol, é a essência do jogo com esteroides.

Foi assim, no contra-ataque, que a Arábia Saudita ganhou da Argentina, na primeira fase da Copa, e como Marrocos eliminou a Espanha, destaca Lillo em seu artigo. Segundo ele, os jogadores estão muito parecidos e, apesar de os perebas terem sumido, também não há mais futebolistas excepcionais. “Ao tentar matar os bandidos, também matamos os mocinhos”, diz o treinador, que parece esquecer de Mbappé, Haaland, Bellingham, Vinícius Jr. e Endrick. Os grandes jogadores sempre foram exceção.

Há muitas coisas que distinguem o futebol como o esporte mais popular do mundo. Uma delas é a facilidade para jogar. Não precisa de raquete, rede, tabela com aro, marcações no chão. Bastam quatro pontos de referência, para marcar as duas balizas, e algo que sirva de bola, como uma folha de papel amassada. Os jogadores também podem ser altos ou baixos, ao contrário do que se exige no vôlei ou no basquete. Mas o grande atrativo do futebol é que tudo pode acontecer, inclusive o pior time ganhar do melhor — mesmo jogando pior.

Outra exclusividade do futebol é que a definição sobre jogar bem ou mal depende de quem analisa. Jogar bem passa por criar mais chances de gol, dar menos oportunidades ao adversário, trocar mais passes, dar mais dribles, manter a posse da bola, dominar as ações do jogo, enfim. De nada adianta, contudo, se a predominância não se traduzir em gols e vitórias. É um pouco como a vida: você pode fazer tudo certo e, ainda assim, dar tudo errado. Poucos são os times lembrados como bons apesar de não terem sido campeões, como a seleção brasileira de 1982 e a seleção holandesa de 1974, a laranja mecânica.

O fato é que qualquer dos dois times que entra em campo pode ganhar, por maior que seja a diferença técnica, porque a avaliação sobre o desempenho não está atrelada à marcação de pontos, como em qualquer outro esporte. É claro que o inesperado não acontece sempre. É muito raro que um time como o Leicester, com muito menos investimento que os gigantes ingleses, ganhe a Premier League. Mas ganhou, na temporada 2015/16. O inexpressivo Once Caldas, da Colômbia, também conseguiu ser campeão sul-americano milagrosamente, em 2004.

É possível argumentar, por outro lado, que a distância entre os melhores e os piores aumentou, principalmente em campeonatos de tiro longo. Jogar bola realmente se tornou um dos grandes negócios mundiais, como destaca Lillo, e os dirigentes tentam manter a hegemonia diante dos novos concorrentes eletrônicos. Inovações como o árbitro de vídeo e as especuladas cobranças de pênalti na fase de grupos da próxima Copa tentam segurar a audiência. Tudo isso custa dinheiro e, nesse ambiente, quem se organiza melhor naturalmente tem mais chances de ganhar.

O Real Madrid ganhou cinco das últimas nove edições da Champions League. Na França, o Paris Saint-Germain, de Neymar, Messi e Mbappé, levou oito das últimas 10 Ligue 1. O Bayern de Munique venceu as últimas 10 temporadas da Bundesliga. O Flamengo foi campeão em duas das últimas quatro Libertadores da América, sem contar os trunfos em território nacional, e rivaliza com o Palmeiras pela hegemonia continental. Ironicamente, é exatamente o fato de o futebol ter virado um meganegócio que pode equilibrar essas disputas.

A Premier League, liga de futebol mais rica do mundo, foi vencida pelo Manchester City em quatro das últimas cinco edições. Mas os ingleses se espelharam nas grandes ligas dos Estados Unidos — de futebol americano, beisebol e basquete — para instituir uma distribuição mais igualitária dos milionários direitos por transmissão de TV. O objetivo é aumentar o equilíbrio, para manter o interesse das torcidas.

Enquanto isso, no Brasil, os clubes ainda batem cabeça para distribuir as cotas. Em 2022, o Flamengo ficou com quase a metade de todo o dinheiro distribuído pelo pay-per-view da Globo para os 20 times da Série A.

O futebol não está acabando, Lillo, mas talvez o futebol brasileiro esteja.

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Isolamento de Mourão livra ex-vice de vínculo ao golpe

Visualizar notícia
2

"Quanto custa?”, pergunta Musk sobre a emissora MSNBC

Visualizar notícia
3

MP do TCU pede bloqueio de R$ 56 mi de indiciados por tentativa de golpe

Visualizar notícia
4

Gisele Bündchen reflete sobre o terceiro filho

Visualizar notícia
5

Crusoé: A preocupação de Merkel com Musk no governo Trump

Visualizar notícia
6

Bolsonaro buscou apoio, mas não conseguiu

Visualizar notícia
7

Crusoé: Kirchner reivindica aposentadoria cortada por Milei

Visualizar notícia
8

A treta entre Paes, Bretas e Moro

Visualizar notícia
9

O comentário de Tarcísio sobre o indiciamento de Bolsonaro

Visualizar notícia
10

A reação de Netanyahu ao mandado de prisão

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

Calendário de feriados e pontos facultativos no Brasil em 2025

Visualizar notícia
2

INSS (23/11): Libera reajustes e projeções para aposentados e pensionistas

Visualizar notícia
3

Frente Parlamentar questiona "boicote" da ANTT a empresas de ônibus

Visualizar notícia
4

Gisele Bündchen reflete sobre o terceiro filho

Visualizar notícia
5

O comentário de Tarcísio sobre o indiciamento de Bolsonaro

Visualizar notícia
6

A reação de Netanyahu ao mandado de prisão

Visualizar notícia
7

A treta entre Paes, Bretas e Moro

Visualizar notícia
8

MP do TCU pede bloqueio de R$ 56 mi de indiciados por tentativa de golpe

Visualizar notícia
9

Bolsonaro buscou apoio, mas não conseguiu

Visualizar notícia
10

Virginia e Zé Felipe compartilham decorações de Natal

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

Copa do Mundo Copa do Mundo do Catar futebol Juan Manuel Lillo seleção brasileira The Athletic
< Notícia Anterior

Bolsonaro participa de cerimônia da Marinha

10.12.2022 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Comandante da FAB parabeniza sucessor escolhido por Lula

10.12.2022 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Rodolfo Borges

Rodolfo Borges é jornalista formado pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou em veículos como Correio Braziliense, Istoé Dinheiro, portal R7 e El País Brasil.

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Neymar destaca ajuda da filha na recuperação de lesão

Neymar destaca ajuda da filha na recuperação de lesão

Visualizar notícia
O que você acha dos alunos que gravam professores em sala de aula?

O que você acha dos alunos que gravam professores em sala de aula?

Madeleine Lacsko Visualizar notícia
Cassino online com dinheiro real - Guia para jogar com bônus no Brasil

Cassino online com dinheiro real - Guia para jogar com bônus no Brasil

Estúdio OÉ Visualizar notícia
Cassinos que pagam via Pix na hora - Melhores sites para brasileiros

Cassinos que pagam via Pix na hora - Melhores sites para brasileiros

Estúdio OÉ Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.