A morte do futebol
O futebol acabou, decretou Juan Manuel Lillo em artigo no The Athletic. Juanma Lillo nunca ganhou um título como treinador, mas é famoso por ser o mentor de Pep Guardiola, considerado o melhor técnico do mundo. Para o espanhol, o propósito do jogo foi…
O futebol acabou, decretou Juan Manuel Lillo em artigo no The Athletic. Juanma Lillo nunca ganhou um título como treinador, mas é famoso por ser o mentor de Pep Guardiola, considerado o melhor técnico do mundo. Para o espanhol, o propósito do jogo foi subvertido e ele nem ousa nomear o que tomou o lugar do bom e velho esporte bretão. Segundo Lillo, agora só se pensa nos consumidores, e não nos torcedores, “a indústria precisa do dinheiro da TV”. Traduzindo: o futebol nessa situação e os caras jantando carne folheada a ouro.
Lillo faz seu mea-culpa. Ajudou a popularizar um esquema de jogo engessado. “É engraçado agora como todo mundo fala em bloco alto, bloco baixo… os únicos blocos que eu conheço são blocos de apartamentos. Com garagem? Sem garagem?”, debocha. De fato, os sistemas de defesa evoluíram muito nas últimas décadas. Junto com eles, subiu também a velocidade dos contra-ataques, o que inibe os atacantes a se arriscar, com medo do contragolpe, como destaca o espanhol.
O jogo de quartas de final em que a Croácia eliminou o Brasil nos pênaltis ilustra perfeitamente essa dinâmica, que se repete sempre que um time tem muito mais qualidade do que o outro. A partida se iguala na disciplina e no empenho do mais fraco. Os croatas foram tão eficientes quanto os brasileiros, marcaram a mesma quantidade de gols e, como têm feito desde a fase eliminatória da Copa de 2018, levaram a partida para os pênaltis. Isso não é a morte do futebol, é a essência do jogo com esteroides.
Foi assim, no contra-ataque, que a Arábia Saudita ganhou da Argentina, na primeira fase da Copa, e como Marrocos eliminou a Espanha, destaca Lillo em seu artigo. Segundo ele, os jogadores estão muito parecidos e, apesar de os perebas terem sumido, também não há mais futebolistas excepcionais. “Ao tentar matar os bandidos, também matamos os mocinhos”, diz o treinador, que parece esquecer de Mbappé, Haaland, Bellingham, Vinícius Jr. e Endrick. Os grandes jogadores sempre foram exceção.
Há muitas coisas que distinguem o futebol como o esporte mais popular do mundo. Uma delas é a facilidade para jogar. Não precisa de raquete, rede, tabela com aro, marcações no chão. Bastam quatro pontos de referência, para marcar as duas balizas, e algo que sirva de bola, como uma folha de papel amassada. Os jogadores também podem ser altos ou baixos, ao contrário do que se exige no vôlei ou no basquete. Mas o grande atrativo do futebol é que tudo pode acontecer, inclusive o pior time ganhar do melhor — mesmo jogando pior.
Outra exclusividade do futebol é que a definição sobre jogar bem ou mal depende de quem analisa. Jogar bem passa por criar mais chances de gol, dar menos oportunidades ao adversário, trocar mais passes, dar mais dribles, manter a posse da bola, dominar as ações do jogo, enfim. De nada adianta, contudo, se a predominância não se traduzir em gols e vitórias. É um pouco como a vida: você pode fazer tudo certo e, ainda assim, dar tudo errado. Poucos são os times lembrados como bons apesar de não terem sido campeões, como a seleção brasileira de 1982 e a seleção holandesa de 1974, a laranja mecânica.
O fato é que qualquer dos dois times que entra em campo pode ganhar, por maior que seja a diferença técnica, porque a avaliação sobre o desempenho não está atrelada à marcação de pontos, como em qualquer outro esporte. É claro que o inesperado não acontece sempre. É muito raro que um time como o Leicester, com muito menos investimento que os gigantes ingleses, ganhe a Premier League. Mas ganhou, na temporada 2015/16. O inexpressivo Once Caldas, da Colômbia, também conseguiu ser campeão sul-americano milagrosamente, em 2004.
É possível argumentar, por outro lado, que a distância entre os melhores e os piores aumentou, principalmente em campeonatos de tiro longo. Jogar bola realmente se tornou um dos grandes negócios mundiais, como destaca Lillo, e os dirigentes tentam manter a hegemonia diante dos novos concorrentes eletrônicos. Inovações como o árbitro de vídeo e as especuladas cobranças de pênalti na fase de grupos da próxima Copa tentam segurar a audiência. Tudo isso custa dinheiro e, nesse ambiente, quem se organiza melhor naturalmente tem mais chances de ganhar.
O Real Madrid ganhou cinco das últimas nove edições da Champions League. Na França, o Paris Saint-Germain, de Neymar, Messi e Mbappé, levou oito das últimas 10 Ligue 1. O Bayern de Munique venceu as últimas 10 temporadas da Bundesliga. O Flamengo foi campeão em duas das últimas quatro Libertadores da América, sem contar os trunfos em território nacional, e rivaliza com o Palmeiras pela hegemonia continental. Ironicamente, é exatamente o fato de o futebol ter virado um meganegócio que pode equilibrar essas disputas.
A Premier League, liga de futebol mais rica do mundo, foi vencida pelo Manchester City em quatro das últimas cinco edições. Mas os ingleses se espelharam nas grandes ligas dos Estados Unidos — de futebol americano, beisebol e basquete — para instituir uma distribuição mais igualitária dos milionários direitos por transmissão de TV. O objetivo é aumentar o equilíbrio, para manter o interesse das torcidas.
Enquanto isso, no Brasil, os clubes ainda batem cabeça para distribuir as cotas. Em 2022, o Flamengo ficou com quase a metade de todo o dinheiro distribuído pelo pay-per-view da Globo para os 20 times da Série A.
O futebol não está acabando, Lillo, mas talvez o futebol brasileiro esteja.
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