A democracia sem povo
Parodiando Gregório de Matos Guerra, o Boca do Inferno, “triste Brasil, ó quão dessemelhante”, pois aqui os ditos representantes do povo encontraram argumentos demagógicos e jurídicos para...
Parodiando Gregório de Matos Guerra, o Boca do Inferno, “triste Brasil, ó quão dessemelhante”, pois aqui os ditos representantes do povo encontraram argumentos demagógicos e jurídicos para arrombarem os cofres públicos sem sequer a cerimônia de darem explicação. Contando com a oportunosa ensancha propiciada pela eleição do capitão Jair Messias Bolsonaro, incapaz de distinguir o buraco de uma agulha da corcova de um camelo, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, inventou a conjunção obrigatória de dois antônimos, orçamento secreto. Por esse truque de fazer corarem doleiros de mensalão e petrolão, entregando parte considerável do butim a si próprio, família, paróquia e grei, o “nobre” parlamentar escondeu no sigilo do destino das verbas tidas como coletivas o “abre-te, Sésamo” da caverna do ouro invadida por 40 ladrões.
Com a mesma desenvoltura com que libertaram os condenados da Operação Lava Jato, os inimigos destes uniram-se para assegurar a permanência do lance de dados no cassino desocupado pelos perdedores da hora para a ocupação dos vencedores da vez. O jogo de cena foi tão eficaz que já se cogita a adesão do líder de todos os governos, Ricardo Barros, prestidigitador da banca do capitão-terrorista, adesão à futura gestão em que o Partido dito de Trabalhadores que nunca suaram, providencia o afastamento de antigos aliados nocivos ao bem-estar da opa sindicalista. Não foi golpe de pouca monta. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), relatora da ação contra as emendas do relator, Rosa Weber, redigiu um voto antológico em defesa do óbvio: não há democracia sem transparência. A primeira dissidência ao primoroso documento partiu do pastor André Mendonça, acólito do lulismo sindical e pregador do bolsonarismo cristão de araque. Apelou para a representação do cidadão na Câmara para afastar do poder o verdadeiro cidadão, que só penetra na casa das leis para varrer o chão e servir cafezinho, frio para quem sai, morno para quem fica e delicioso para quem entra. Passou o refrão para Nunes Marques, que ainda tem duas semanas para louvar seu mito de coturno.
Dos que acompanharam a dupla destaca-se o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, que, depois de liderar os berros pelos gols de vitória de Lulinha da Silva, apressou-se a esclarecer que sua parcialidade não se limita à torcida pelo time campeão. E, confirmando sua esperança de algum dia disputar uma governança por uma legenda partidária, esclareceu em definitivo que a sua é a democracia sem povo. Esse xaveco foi completado com a farsa do pedido de vista do decano Gilmar Mendes e do acadêmico de São Bernardo, Ricardo Lewandowski, para permitir que Rodrigo Pacheco, presidente do Senado e devoto do PSD, não o dos mineiros que só debatiam assuntos resolvidos antes nos conchavos, mas o do dr. Gilberto Kassab, que dirige um partido, que não é de direita, centro nem esquerda.
E, assim, a farsa se consuma. Da mesma forma como o aperto de mãos de Lula e Lira, (faz dois eles aí), consagrou o pacto da gastança em nome do combate à fome da miséria brasileira, o acordo tácito dos segredos da compra dos tratores para a Codevasf concretizou-se no encontro de Pacheco e Lewandowski. Depois, é claro, da votação do Congresso que consumou o engana-trouxa ao revelar o segredo de Polichinelo do suspense dos votos dos representantes do Pantanal e do ABC. Na democracia de Moraes e Dias Toffoli, quem vota não precisa aprender a ler e quem não tem mandato ou marajanato na Nomenklatura brasiliense não apita necas.
Lulinha da Silva, vulgo Paz e Amor, está bem conformado com o cerco dos antigos correligionários do PT, que acreditam na inocência de seu anjo de pau oco. No regime do presidencialismo perene, instituído pelo professor Fernando Henrique Cardoso quando inventou esse aleijão que permitiu o ex-dirigente sindical chegar à segunda reeleição e ao terceiro mandato, este presidente eleito, diplomado e tomando o café mais chique do úrtimo da Brasília que o adversário prometia submeter ao Brasil, não dá mais ouvidos a quem lembre que foi Bolsonaro quem se derrotou. Dane-se, a derrota não tem cúmplices. Lula já teve essa experiência e não está disposto a esconjurá-la. Tanto é que sua caneta, que não deve ser Bic, vai transformar Fernando Haddad, colega de Delfim Netto na Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), no czar econômico socialismo novo rico. Mesmo depois de ter apanhado do temerbolsonarista Tarcísio de Freitas no segundo turno da eleição pára o governo de São Paulo. E ainda ter perdido a reeleição para João Dória no primeiro turno após concluir a pior gestão paulistana da História.
Haddad, coitado, tem uma sombra. A sombra chama-se Mercadante, nome da mãe, porque o pai teve o seu extirpado, por ter sido um general da linha duríssima do Exército na ditadura. Não se conhece nada na biografia do referido companheiro que o habilite a presidir o BNDES com seus empréstimos a juros de papai Noel. A não ser o fato de ter induzido o mesmo Lula, que o nomeará agora, a denunciar o Plano Real como estelionato. E, assim, o sociólogo FHC o derrotou duas vezes sem disputar o turno final. O Antagonista talvez tenha encontrado, contudo, um motivo maior para justificar a atual escolha pelo único economista de renome no Brasil que injuriou o fim da inflação no fim do século passado. Como se sabe, Lula, “o mais honesto dos cubanos e troianos”, teve de responder na Justiça, pelo desempenho à Ronaldinho Gaúcho de seu filhote empresário, vulgo Lulinha. Um filho de Mercadante, que também abandonou o sobrenome do avô linha dura, tem biografia similar. Pedro Barros Mercadante Oliva ocupa cargos de relevo em empresas do dono da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) Benjamin Steinbruch. O irmão de Mercadante, coronel da reserva Olavo Oliva Neto, foi diretor estratégico da Odebrecht Defesa e Tecnologia, que dispensa apresentações mais detalhadas.
Claudio Dantas, diretor de jornalismo do Antagonista, concluiu sua reportagem sobre esse aspecto familiar do solitário detrator do Plano Real com um tuché de florete retórico: “parece que o capital está no DNA da família.” É. Pode ser um trunfo para conquistar o arredio mercado, não é?
*Jornalista, poeta e escritor
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