A democracia está muito longe de ser salva
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pesou a mão em suas duas últimas decisões de maior destaque. Antes de condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro a oito anos de inelegibilidade, os ministros tinham...
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pesou a mão em suas duas últimas decisões de maior destaque. Antes de condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro a oito anos de inelegibilidade, os ministros tinham cancelado a eleição de Deltan Dallagnol, num julgamento expresso e controverso. A rigidez das decisões pode indicar uma nova era de moralidade para as eleições brasileiras, desde que os dois casos não sejam exceções.
O ministro Alexandre de Moraes destacou a perda de mandato de Fernando Francischini como marco para a justiça eleitoral. Talvez o próximo desafio seja concluir os casos no período eleitoral, e não seis meses após a cerimônia de posse dos candidatos. Mas o que está em questão mesmo é se o que valeu para Bolsonaro e Dallagnol valerá para todo mundo. A justiça brasileira acumulou um passivo muito alto nos últimos anos. Não será fácil se livrar dele.
Em 2016, Dilma Rousseff conseguiu a proeza de perder o mandato de presidente por crime de responsabilidade e manter os direitos políticos. Em 2018, o TSE considerou, por unanimidade, a presidente cassada apta a concorrer por uma vaga no Senado em Minas Gerais, abrindo as portas para seu humilhante quarto lugar na disputa. Na ocasião, o relator do caso, Luís Roberto Barroso, disse que não cabia ao TSE rever a “decisão essencialmente política do Senado”, instruída pelo generoso Ricardo Lewandowski. Difícil imaginar algo do gênero saindo hoje da boca de Moraes ou de Benedito Gonçalves.
No ano seguinte ao impeachment, foi vez de Michel Temer ser poupado pelo TSE, numa decisão bem menos consensual. Por quatro votos a três, os ministros decidiram que não houve abuso de poder político e econômico em sua campanha com Dilma em 2014 — as acusações foram feitas no contexto da Operação Lava Jato. No julgamento, o relator, Herman Benjamin, foi vencido ao lado de Rosa Weber e Luiz Fux, mais afinados à rigidez atual do TSE. A tese que prevaleceu, apresentada por Napoleão Nunes Maia Filho e endossada por Gilmar Mendes, foi a da “soberania popular” do voto.
“Não estou a negar, de forma meramente imaginária, que pelo menos parte desses recursos foram repassados à campanha presidencial da chapa Dilma-Temer, mas apenas concluindo, a partir das provas produzidas nos autos relacionados à causa de pedir da inicial, que o arcabouço probatório não se revela suficientemente contundente para se chegar a severas sanções, porque a prova desses autos está lastreada, em grande parte, em testemunhas que são colaboradores premiados em outras instâncias do Poder Judiciário”, destacou Mendes em seu voto.
Coube ao mesmo Mendes liderar no Supremo Tribunal Federal (STF) o processo de revisão da Lava Jato, que começou pela Segunda Turma — mesmo com argumentação lastreada, em grande parte, em mensagens adquiridas de forma ilícita. A anulação das condenações levou à recuperação dos direitos políticos por Lula, que acabaria reeleito para a presidência da República em 2022. Esse histórico permite questionar: pode o mesmo, a depender dos ventos da política, vir a acontecer com Bolsonaro?
O capitão responsável por retomar o protagonismo da direita na política brasileira foi de fato — e assumidamente — um teste de estresse para a justiça, entre outras instituições do país. É possível dizer, como muitos alardeiam desde a decisão da última sexta-feira no TSE, que o Judiciário nacional resistiu a essa provação e que a “fé na democracia” começa a ser restaurada, como ressaltou Moraes em seu voto no julgamento. O mesmo não pode ser dito, contudo, sobre o desempenho do Judiciário em relação a Lula.
Os riscos atribuídos à primeira candidatura presidencial de Bolsonaro, em 2018, contribuíram para anuviar o risco Lula. Naquele ano, o petista concorreu não apenas em desafio aos adversários, mas ao sistema judicial brasileiro. Sua candidatura surgiu em 2017 no contexto de tentar escapar da prisão e, se Fernando Haddad tivesse ganhado aquela eleição como preposto do candidato inabilitado, o STF estaria, entre outras instâncias da justiça, entre os derrotados — e, hoje, possivelmente figurasse ao lado do Banco Central como instituição questionada pelo presidente.
O impedimento de Bolsonaro para as eleições dos próximos oito anos é apenas parte dessa história de salvação da democracia — ou da República, para ser mais preciso. É a parte mais clara, mais visível, principalmente depois que as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas, no dia 8 de janeiro. Mas, se a missão auto-imposta pelos juízes brasileiros for realmente essa, sua conclusão ainda está muito longe de ser alcançada.
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