Hoje, o STF decidiu que a quantidade de 40g é o que separa um usuário de um traficante. Essa decisão é mais um exemplo de uma gambiarra jurídica que, como sempre, tende a causar mais problemas do que soluções.
A ideia de diferenciar usuário de traficante faz sentido, afinal, dar a mesma pena para uma pessoa que usa drogas e para uma que lucra vendendo e destruindo famílias é claramente injusto. No entanto, a execução dessa regra é problemática. O que realmente separa o usuário do traficante? Objetivamente é vender drogas. Mas falamos de um universo complexo.
No submundo das drogas, as situações são muito mais intrincadas. Existem traficantes que também são usuários e usuários que acabam traficando para pagar suas dívidas. Quem tem uma vida ordenada dificilmente imagina a confusão que pode surgir nesses ambientes. A linha que separa um traficante de um usuário deveria ser clara: quem vende drogas é traficante, quem usa é usuário. No entanto, na prática, essa linha se torna nebulosa.
O preconceito racial e social também complica essa questão. Em muitos casos, uma pessoa negra ou de um bairro pobre pode receber uma pena mais severa do que uma pessoa branca ou de um bairro rico, mesmo que estejam na mesma situação. A lei, que deveria distinguir entre traficantes e usuários, acaba se envolvendo em questões de racismo e preconceito de classe.
A quantidade de drogas como critério pode parecer razoável. Afinal, um usuário dificilmente terá grandes quantidades de droga em casa. Pensamos na diferença entre uma pessoa com um cigarro de maconha e outra com 10 tijolos de maconha. Nos extremos, sim, é fácil diferenciar, mas a dúvida do STF era entre colocar o limite em 25g, 45g ou 60g. Nessas situações, a quantidade não diz se a pessoa é usuária ou traficante.
Ter a quantidade de drogas como diferencial entre usuários e traficantes só faz sentido quando se mira em outras questões, o preconceito racial e de classe.
Por outro lado, legalizar a posse de pequenas quantidades de droga pode mudar a forma de distribuição, criando um mercado de distribuição de baixíssimo risco. Isso pode aumentar a participação de jovens de periferia no tráfico, agravando o problema social.
Isso sem falar em casos concretos. O STF já anulou apreensões de grandes quantidades de drogas por questões técnicas, enquanto mantém penas para pequenas quantidades.
A decisão também acende a disputa entre o Judiciário e o Congresso, que entende ser sua prerrogativa estipular o que é ou não crime no Brasil. O presidente Lula, aliás, acaba de dizer a mesma coisa. No julgamento, até ministros do STF defenderam a tese de que não têm legimidade para definir temas como o das drogas, isso cabe a quem foi eleito.
Há quem argumente que, se a questão chegou ao STF, ele tem de julgar. Não é bem assim. Outro dia estavam julgando processo que começou no Império, há processos na fila há décadas. Julgar a questão da maconha foi escolha.
O Congresso promete reagir e invalidar o julgamento de agora substituindo a lei de drogas por outra nova. Ela já tramita na Câmara, passou pelo Senado e é bem mais dura do que a lei anterior, de 2006. Todo contato com droga seria punido.