Paulo Rabello de Castro: Eficiência é o nome do jogo
Nas recentes vitórias eleitorais de Milei e Trump, o voto foi um meio encontrado pelas populações da Argentina e dos EUA para manifestar seu profundo descontentamento
A política vive de símbolos. Quando um político consegue materializar uma mensagem, tornando concreto um conceito abstrato, ele terá obtido o máximo resultado do seu “discurso político”: transformar uma abstração em uma coisa viva e palpável.
Assim é com “eficiência“, um conceito inacessível para grande parte do público que, no entanto, ganha vida quando o líder político fala, por exemplo, que vai “passar a motoserra” nos gastos inúteis – expressão usada pelo presidente Milei, na Argentina de hoje – como foram várias outras imagens de eficiência, verbalizadas por Thatcher e Reagan na virada dos anos 1980 e, agora, de novo, por Donald Trump, quando promete “liquidar o desperdício e a burocracia” que sufocam a grandeza da economia americana.
Eficiência significa, na prática, entrar para ganhar o jogo da governação.
E ganhar esse jogo é, no caso, convencer as pessoas de que medidas de maior eficiência no governo farão melhorar a vida de todos. Ou seja, eficiência é entregar mais, com menos esforço ou sacrifício. Mais serviços do Estado, com menos tributos, se possível.
Na era dos robôs e da inteligência artificial, essas ferramentas do século 21 multiplicarão a eficiência de um sem-número de atividades privadas e públicas.
Portanto, já não se concebe nenhuma sociedade dependente de um governo-paquiderme, que cobra muito da maioria e entrega pouco, para poucos.
Pior ainda, se esse governo-paquiderme vier entranhado pela corrupção, pois a ineficiência no governar também costuma ser sintoma de roubo e malandragem.
Governos muito ineficientes acabam provocando revolta e repulsa, quer pelo voto ou por manifestações de rua.
Nas recentes vitórias eleitorais de Milei e Trump, o voto foi um meio encontrado pelas populações da Argentina e dos EUA para manifestar seu profundo descontentamento.
Nem sempre o discurso da eficiência tem pegada política.
Isso depende de a população perceber as desvantagens da ineficiência.
Cria-se então uma demanda popular por um governo eficiente.
A ineficiência quase sempre está ligada à corrupção e ao desperdício. Mas há outras situações.
No Brasil, não se pode dizer que décadas de juros muito altos, pagos pelos governos para rolar a dívida pública, significam corrupção entre o Banco Central, o Tesouro e os compradores de títulos.
No entanto, pagar quase um trilhão de reais de juros por ano é, no mínimo, sinal de absurda ineficiência na gestão das finanças públicas.
Países muito endividados clamam por mais eficiência na gestão das contas do governo, mesmo sem denúncias de corrupção.
Foram situações desse tipo que impulsionaram as vitórias de Thatcher e Reagan nas urnas.
Excesso de gastos obrigatórios (no Brasil, os governos são obrigados a repetir mais de 95% das linhas de gastos do ano anterior) sem se fazer a pergunta básica sobre a necessidade de cada despesa, pode ser uma explicação razoável para a repetição de déficits públicos e a acumulação de dívidas para financiá-los.
O Brasil se enquadra nesta situação em que a suprema ineficiência no gasto gera o desequilíbrio financeiro crônico do país.
A Argentina de Milei enfrentava uma situação muito mais terrível, um fundo de poço escuro, a ineficiência em estado absoluto.
Daí se explica a resistente popularidade de Milei, apesar dos sacrifícios que impôs, em nome da “eficiência”.
Idem nos EUA de hoje, onde a percepção de um governo ineficiente está ligada, além do déficit fiscal crescente, ao acúmulo de regras e regulamentos que travam a vida das pessoas e das empresas.
A ideia de que o povo precisa de um governo-babá para defendê-lo de suas próprias decisões individuais ruins ou mal informadas, não resiste à condição de uma sociedade permeada de conhecimentos e opiniões em múltiplas mídias sociais.
Na América, Trump contratou uma espécie de “consultoria especial” de dois destacados (e midiáticos) empresários: Elon Musk e Vivek Ramaswamy, ambos cidadãos americanos, o primeiro nascido na África do Sul e o segundo, nos EUA, de pais migrantes indianos.
A dupla M&R — como podemos chamar — comandará um Departamento de Eficiência Governamental, de sigla DOGE, com a missão de limpar a máquina do governo federal dos EUA de todos os traços de ineficiência.
O governo dos EUA realmente precisa conter sua dívida de 120% do PIB e Trump só conseguirá fazer isso se usar melhor os impostos que arrecada.
Fazer mais com menos, ou seja, eficiência, passa a ser o nome do jogo.
Não é certo, entretanto, que a inteligência de M&R — duas águias do mundo dos negócios — se transporte para a arena política e burocrática obtendo os mesmos grandes resultados que tiveram para ganhar dinheiro.
Além disso, M&R não é uma dupla na vida privada: eles jogarão juntos pela primeira vez e terão que lidar com conflitos de equipes e egos inflados por suas vaidades.
O tempo dirá se Trump estava certo ao criar um ministério virtual de duas cabeças. Em termos de eficiência, isso também é novidade.
No Brasil de 2025, também temos vários ingredientes para dar tração a um discurso que clame por mais eficiência.
Temos a dívida pública explosiva.
Temos a desgastada máquina de governo, que ninguém admira.
Temos os nichos de privilegiados, as sinecuras e os impostos excessivos sobre quem menos pode pagar.
A grande arena da ineficiência…
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