Oligarca, não, bom mesmo é ser um "silovik" Oligarca, não, bom mesmo é ser um "silovik"
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Oligarca, não, bom mesmo é ser um “silovik”

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Carlos Graieb
6 minutos de leitura 05.03.2022 10:45 comentários
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Oligarca, não, bom mesmo é ser um “silovik”

Desde a invasão da Ucrânia, o mundo encolheu para os bilionários russos. Roman Abramovich abriu mão do controle do Chelsea, o time de futebol inglês que ele comprou em 2003. Igor Sechin teve o seu superiate confiscado pela França – deve ter doído, visto que o nome do barco de 88 metros é Amore Vero (Amor Verdadeiro)...

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Carlos Graieb
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Oligarca, não, bom mesmo é ser um “silovik”
Reprodução/Instagram

Desde a invasão da Ucrânia, o mundo encolheu para os bilionários russos. Roman Abramovich (foto) abriu mão do controle do Chelsea, o time de futebol inglês que ele comprou em 2003. Igor Sechin teve o seu superiate confiscado pela França – deve ter doído, visto que o nome do barco de 88 metros é Amore Vero (Amor Verdadeiro). Esses são apenas dois exemplos pontuais do efeito das sanções econômicas impostas pelo Ocidente aos chamados oligarcas. Segundo o Índice Bloomberg de Bilionários, os vinte homens mais ricos da Rússia perderam juntos 80 bilhões de dólares nas últimas duas semanas. Mas qual é exatamente o objetivo de privar esses homens de suas fortunas e de seus brinquedos? 

Oligarquia quer dizer “governo de poucos”. O fato de os bilionários russos serem chamados de oligarcas sugere, portanto, que eles são os verdadeiros donos do poder na Rússia, ou, no mínimo, os sócios de Vladimir Putin e do seu círculo mais próximo de apoiadores – os “homens fortes”, ou siloviki, oriundos como Putin da KGB e da sua sucessora FSB. Desse modo, as sanções contra os oligarcas atingiriam diretamente uma das pernas de sustentação do regime russo, causando uma forte pressão para que ele retroceda na Ucrânia. Faz sentido – mas não é exatamente assim. 

Há uma série de livros mostrando as trajetórias paralelas dos oligarcas e dos siloviki a partir da dissolução da União Soviética, em 1991. O mais recente deles é “Putin’s People”, da jornalista inglesa Catherine Belton, correspondente na Rússia de veículos como Reuters e Financial Times. O livro foi escrito com base em entrevistas e documentos exclusivos, está repleto de detalhes espantosos de bastidor e deveria ser traduzido no Brasil. Belton mostra que a imagem dos oligarcas como detentores de poder político se aplicava à Rússia da década de 1990, mas não corresponde à realidade atual. Hoje, são os siloviki, e apenas eles, que mandam de fato. 

Os oligarcas originais foram homens como Mikhail Khodorkovsky e Boris Berezovsky. Eles se tornaram fabulosamente ricos adquirindo empresas privatizadas nos anos 1990, especialmente no setor de energia, e seus interesses eram indistinguíveis daqueles de Boris Ieltsin, presidente russo que sacramentou o fim da era soviética e deu início a um processo de desestatização na economia russa. Tanto Khodorkovsky quanto Berezovsky tiveram seus impérios desmontados por Putin. O primeiro ficou preso por dez anos e o segundo morreu em condições até hoje misteriosas. 

A queda de Khodorkovsky, em 2004, foi um ponto de virada na história recente da Rússia. Ela veio acompanhada da expropriação de sua companhia, a petrolífera Yukos, que foi vendida aos pedaços, e a preço de banana, para empresas que ainda estavam sob controle estatal – ou, mais propriamente, sob o controle dos siloviki. Escreve Belton: “Esse processo deu carta branca aos homens de Putin, de tal forma que, em 2012, mais de 50% do PIB da Rússia estava sob controle direto do estado e de empresários ligados a Putin, uma reviravolta veloz e de grandes proporções, visto que na época do julgamento de Khodorkovsky, mais de 70% da economia estava em mãos privadas.” 

A ideia de que os oligarcas russos são capazes de influenciar o Kremlin foi desfeita logo depois de os primeiros tanques russos entrarem na Ucrânia, quando Putin convocou os mais ricos dentre eles para uma reunião. 

Segundo os relatos obtidos pelo jornal britânico Financial Times, os magnatas se sentaram em fileira, por ordem alfabética, enquanto o presidente se acomodava a vinte metros de distância. A mensagem principal foi que eles deveriam fazer negócios com as empresas atingidas pelas sanções do Ocidente, mas também podiam contar com a ajuda do governo caso passassem por dificuldades financeiras. Aqueles que não ajudassem a engrenagem econômica a continuar girando poderiam ser castigados “na forma da lei”.

“Ninguém quer sofrer, mas o recado foi que teremos de aguentar”, disse o diretor de um banco estatal ao FT. Outro banqueiro, Mikhail Fridman, foi um dos poucos a criticar a guerra em público, ainda que nos termos mais genéricos. Recusou-se, no entanto, a falar sobre Putin, pois suas palavras, além de não terem  “o mínimo impacto sobre as decisões políticas da Rússia”, poderiam pôr em perigo seus funcionários.

Roman Abramovich, o ex-dono do Chelsea, é um bom exemplo da metamorfose dos bilionários russos nos últimos 30 anos. Ele foi um pupilo de Boris Berezovsky, ainda na Rússia de Ieltsin, e herdou seus negócios quando ele caiu em desgraça. Até antes da guerra, era tido como um facilitador de transações financeiras para o Kremlin – um subordinado, ainda que bilionário.  

Igor Sechin, o dono do iate Amore Vero, ilustra outro fenômeno: a ascensão dos siloviki. Ex-agente da KGB, ele é um dos homens mais próximos de Putin, sofre da mesma nostalgia do império e carrega o apelido de “Darth Vader russo”.  Além de pertencer ao círculo que controla de fato o governo (bem como o parlamento, o judiciário e a imprensa), ele também amealhou bilhões. Foi muito além do que os oligarcas jamais conseguiram.

Há bastante especulação sobre a riqueza de Vladimir Putin, o “silovik dos siloviki”. Ele recebe, como presidente, 140 mil dólares anuais, e declara ser dono de um apartamento de 75 metros quadrados, dois carros – e um trailer. Nada de iates luxuosos e jatinhos particulares para o presidente. Segundo uma reportagem desta semana da revista Fortune, no entanto, alguns analistas calculam que sua fortuna chegue a 200 bilhões de dólares, que fariam dele o homem mais rico do mundo. 

A ideia de que as sanções ocidentais podem levar os célebres oligarcas russos a pressionar decisivamente o governo, portanto, erra o alvo. O futuro do regime russo parece estar mais atrelado à reação das pessoas comuns, que sentirão na pele os efeito da crise econômica causada pelos bloqueios, e à capacidade dos “homens fortes” do Kremlin, incluindo Putin, suportarem a dor no próprio bolso, enquanto tentam devorar a Ucrânia. 

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Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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