Justiça ou vingança? Síria luta para virar a página do regime Assad
Após a queda do ditador, novo governo promete punições, mas enfrenta desconfiança e um país em ruínas
A queda do regime de Bashar al-Assad na Síria, após 54 anos de domínio, expôs um panorama sombrio de violações aos direitos humanos. Enquanto o novo governo, liderado por uma aliança rebelde, promete responsabilizar os autores de crimes sistemáticos, o caminho para a justiça se apresenta repleto de desafios estruturais, políticos e sociais.
Prédios destruídos, prisões desativadas e arquivos revirados marcam o cenário atual de um país devastado por uma guerra que deixou centenas de milhares de mortos e milhões de desabrigados. O legado do regime inclui prisões clandestinas, onde métodos de tortura foram aplicados a opositores políticos, e túmulos coletivos, que contam uma parte das tragédias do conflito.
Apesar das promessas de responsabilização, lideranças como Ahmed al-Shara, chefe do governo de transição, enfrentam pressões internas e externas. Em dezembro, al-Shara anunciou que publicaria uma lista de nomes ligados à repressão do regime, mas especialistas alertam que a perseguição a figuras de alto escalão será árdua. Muitos membros do governo Assad buscaram refúgio em países aliados, como Rússia e Emirados Árabes Unidos, dificultando sua localização.
Sectarismo
Além disso, a herança de sectarismo do regime de Assad, dominado por alauítas, agrava o cenário. Propor justiça sem aprofundar divisões sectárias será um teste delicado para as novas autoridades, que prometem representatividade para minorias e anistia a soldados de baixa patente.
O colapso institucional também se reflete no sistema jurídico, outrora ferramenta de repressão, e na falta de infraestrutura básica. Para que o país supere a estagnação econômica e social, será necessário restaurar serviços essenciais e atrair ajuda internacional, uma tarefa complicada pelas sanções em vigor.
Especialistas sugerem que o modelo sul-africano de comissões de verdade pode ser uma alternativa. Entretanto, enquanto a reconstrução é discutida, o tempo corre contra a possibilidade de instaurar processos judiciais que não sejam percebidos como perseguição política. O perigo de retaliações ou de ações de justiça por conta própria ameaça minar qualquer tentativa de reconciliação nacional.
O exemplo de Tunísia, que fracassou em promover progresso econômico e garantias democráticas após a revolução de 2011, é um alerta para a Síria. O risco de o país sucumbir a novos ciclos de autoritarismo é real, especialmente se a promessa de justiça não for acompanhada por melhorias tangíveis na vida da população.
A transição na Síria será um teste crucial para a capacidade de unir um país fragmentado, reparar feridas profundas e evitar que as lições de seu passado recente sejam esquecidas.
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