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Ilha cercada de mortes (3)

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Redação O Antagonista
6 minutos de leitura 31.05.2015 13:37 comentários
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Ilha cercada de mortes (3)

A terceira parte da reportagem feita por mim (Mario) para a revista Veja, em 2013:Oficialmente, os clandestinos não podem sair do Centro de Acolhida, mas os guardas fazem vista grossa e permitem que eles façam buracos nas cercas e circulem pela cidade, em pequenos grupos. É uma forma de atenuar a pressão. Os que saem contam com o auxílio da Caritas, que lhes providencia, inclusive, cartões telefônicos de 5 euros, doados pelo papa quando da sua visita a Lampedusa. O Centro de Acolhida fica a 2 quilômetros do centro da cidade, na chamada "colina da vergonha"...Ao chegar à ilha, muitos perguntam pelos trens

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Redação O Antagonista
6 minutos de leitura 31.05.2015 13:37 comentários 0

A terceira parte da reportagem feita por mim (Mario) para a revista Veja, em 2013:

Oficialmente, os clandestinos não podem sair do Centro de Acolhida, mas os guardas fazem vista grossa e permitem que eles façam buracos nas cercas e circulem pela cidade, em pequenos grupos. É uma forma de atenuar a pressão. Os que saem contam com o auxílio da Caritas, que lhes providencia, inclusive, cartões telefônicos de 5 euros, doados pelo papa quando da sua visita a Lampedusa. O Centro de Acolhida fica a 2 quilômetros do centro da cidade, na chamada “colina da vergonha”. Jornalistas e autoridades municipais são proibidos de ultrapassar o portão, no qual está pregado um aviso em italiano, árabe, francês e inglês de que os mortos podem ser reconhecidos na delegacia, na Via Roma. No dia em que este repórter foi até lá, testemunhou, ao lado de jornalistas do Wall Street Journal, a saída em ônibus fechado de um grupo de cerca dequarenta refugiados que iria para o continente. Ninguém sabia dizer quantos restavam. A cifra oscilava entre 200 e 400. O centro, queimado em 2011 pelos tunisinos rebelados, continuava destruído em boa parte. “Parece que será reformado em breve”, diz Angela Sorrentino.

Os refugiados que aportam em Lampedusa acreditam ter desembarcado na Bota. Por isso, ao colocarem os pés no cais, muitos perguntam onde fica a estação ferroviária, a fim de pegar um trem para Milão e, da capital lombarda, prosseguir viagem até o norte da Europa, onde moram parentes e conhecidos e a crise não bateu com tanta força como na Itália, França e Espanha. “Vários se recusam a tirar as impressões digitais, com receio de permanecer em Lampedusa”, diz o jovem padre Giorgio Casula, em sua sala na modernosa igreja construída num estilo definido como “oriental”. Também não é permitida a entrada de religiosos no Centro de Acolhida. “Só somos chamados quando há problemas com os quais as autoridades não sabem lidar, ou que elas próprias criaram”, informa Don Giorgio. Ele cita o mais recente: quando houve a cerimônia do funeral dos mortos de 3de outubro, na Sicília, os sobreviventes foram impedidos de homenagear os seus parentes e amigos. Ficaram trancafiados em Lampedusa e ameaçaram su­blevar-se. Só não o fizeram porque foram persuadidos por gente ligada à Igreja, convocada a prestar auxílio. Enquanto isso, no funeral, representantes da ditadura eritreia, da qual muitos dos náufragos fugiam, derramavam lágrimas de crocodilo diante dos caixões, cercados por agentes de segurança que fotogravam a cerimônia às escondidas, com o objetivo de identificar possíveis opositores presentes.

Uma grande quantidade de imigrantes que embarcam para Lampedusa é raptada na Líbia, por bandos que pedem aos seus familiares resgates demais de 2 000 euros. Só depois de o pagamento ser feito, eles podem seguir para o litoral, onde embarcam ao preço de outros 1 000 euros. Os algozes, não raro, os acompanham durante a travessia, depois desubmeter os homens a torturas e de estuprar as mulheres. No caso do barco que afundou em 3 de outubro, os sobreviventes encaminhados ao Centro de Acolhida da ilha reconheceram o somali Mouhamud Elmi Muhidin como o homem que havia seviciado imigrantes. Ele foi preso pela polícia italiana, antes que o linchassem.

O Mediterrâneo é a fronteira da Europa com muralha marítima. Mas há muros de concreto e arame farpado em terra. Os primeiros no continente, desde a queda do Muro de Berlim, em 1989. Não ideológicos, e sim econômicos. Em janeiro, a entrada de Bulgária e Romênia no Espaço Schengen, de livre circulação de pessoas dentro das fronteiras da maioria dos países da União Europeia, reavivou o racismo e a xenofobia, já candentes por causa da crise econômica que fustiga desde 2008. Teme-se que, além de búlgaros e romenos, hordas de turcos, curdos, sírios, afegãos e toda sorte de outras nacionalidades a leste infiltrem-se pelas fronteiras porosas das duas nações mais pobres da UE e adentrem o coração da Europa afluente. Para assegurar que é confiável, a Bulgária está erguendo uma barreira física de 30 quilômetros de extensão no seu limite com a Turquia mais acessível à passagem de imigrantes ilegais. A decisão foi tomada em outubro. É uma ironia. Quase um quarto de século depois de derrubar o arame farpado que os separava do mundo livre – obra dos invasores soviéticos -, os búlgaros voltam a se ver separados deum país por uma cerca.

O outro muro, pronto desde 2012, aparta a Grécia da Turquia e tem 12,5 quilômetros de comprimento. Esse obstáculo desviou um grande númerode imigrantes iraquianos, afegãos e sírios para a Bulgária – que tomou, então, a decisão de construir a sua própria barreira. Boa parte dos refugiados que chegaram à Bulgária e não conseguiram seguir rumo ao oeste está confinada no campo de Harmanli, próximo à fronteira turca. As condições de vida em Harmanli são vergonhosas. Não raro, a comida só dá para uma refeição frugal por dia. As crianças adoentam-se, e não há remédios suficientes para tratá-las. E agora, no inverno, o campo está infestado de piolhos, mostra das péssimas condições higiênicas em que vivem 1 200 pessoas, aproximadamente. O muro com a Turquia, esperam tacitamente as autoridades búlgaras, servirá ainda para encarecer o custo da passagem dos refugiados clandestinos. Hoje, eles pagam relativamente barato aos atravessadores – em torno de 500 euros para tentar superar a fronteira.

De forma idêntica à dos refugiados que desembarcam em Lampedusa, aqueles que entram diretamente por terra querem se estabelecer nos países nórdicos. Muitos ainda sonham com a França – mais exatamente, Paris. No Afeganistão, difundiu-se a ideia de que, na capital francesa, todos os dias helicópteros aspergem perfume pela cidade. Tão logo se instalam, os imigrantes ilegais dão-se conta de uma realidade avessa aos devaneios surrealistas – a de periferias cinzentas, abandonadas e uma população nativa pouco disposta a dar as boas-vindas a mais alienígenas. Mesmo na Escandinávia, conhecida pela pacatez, a tensão é alta. Em maio, depois que a polícia matou um imigrante que ameaçou um policial com um facão, Estocolmo, a capital sueca, enfrentou quase uma semanade distúrbios, com 300 jovens promovendo quebra-quebras.

Ao chegar à ilha, muitos perguntam pelos trens

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