Cristãos na Síria: 2000 anos de história sob ameaça
A Síria é vista pelos cristãos como parte da Terra Santa. Damasco é especialmente associada ao apóstolo Paulo, cuja história de conversão está registrada nos Atos dos Apóstolos
Os cristãos da Síria, considerados os mais antigos do mundo, enfrentam um futuro incerto após a queda do regime de Bashar al-Assad.
Antes da invasão do Iraque em 2003, eles representavam cerca de 10% da população síria, mas esse número caiu pela metade ou mais desde então. A presença cristã na região, que remonta às origens do cristianismo, encontra-se em uma situação delicada.
Paulo e o caminho de Damasco
A Síria é vista pelos cristãos como parte da Terra Santa. Damasco é especialmente associada ao apóstolo Paulo, cuja história de conversão está registrada nos Atos dos Apóstolos.
Segundo o relato bíblico, Paulo, um judeu de Tarso, foi enviado para capturar cristãos em Damasco, mas teve sua vida transformada por uma visão de Jesus no caminho. Após essa experiência, ele ficou cego e foi curado por um cristão local chamado Ananias, levando à sua conversão e subsequente batismo.
Os locais associados a esses eventos em Damasco, como a capela de São Ananias e a Porta de São Paulo, tornaram-se santuários significativos para os cristãos orientais. A expressão “encontrar seu caminho de Damasco” é usada para descrever uma transformação profunda nas crenças pessoais.
Da perseguição ao império bizantino
Nos séculos seguintes, o cristianismo prosperou na Síria. Em Doura-Europos, foram descobertas as ruínas da mais antiga capela cristã conhecida até hoje.
Contudo, as perseguições aos cristãos iniciadas pelos imperadores romanos no início do século IV impactaram severamente as comunidades locais até que Constantino legalizasse a fé cristã em 324 d.C.
No final do século IV, o cristianismo foi declarado religião oficial do Império Romano. A divisão do império levou a Síria a se tornar parte do Império Bizantino.
Durante esse período, os mosteiros proliferaram pela região, contribuindo para a disseminação do cristianismo entre as populações rurais.
Por volta de 630, às vésperas da conquista muçulmana, a Síria foi moldada por séculos de cristianismo e distinguiu-se pela riqueza do seu patrimônio religioso: igrejas decoradas, mosteiros, afrescos, mosaicos de chão, ícones, instrumentos litúrgicos (incensários, castiçais, cálices), relicários, etc.
Surgimento do Islã
Com o surgimento do Islã, no século VII, os cristãos sírios passaram a viver sob um novo regime político.
A lei muçulmana prevê o status de dhimmi para os nativos da fé cristã. Os cristãos na Síria poderiam praticar a sua religião, na maioria das vezes manter os seus locais de culto, no entanto, eram proibidos restaurá-los ou construí-los.
Além disso, o cristão sírio deve reconhecer a soberania política do Islã, não estar em posição de autoridade perante um muçulmano, observar uma atitude discreta e modesta (daí a proibição de andar a cavalo), usar sinais de vestuário de uma cor específica, não servir em administração (exceto por decisão individual do califa) ou no exército, e pagar tributo – em espécie ou em dinheiro – ao califa.
A sociedade torna-se então cada vez mais islamizada e o lugar dos cristãos na vida social diminuiu consideravelmente, sob pressão constante para que se convertam ao Islã. O cristianismo então retirou-se para certas áreas das cidades ou para o campo, em torno dos mosteiros.
Uma cultura ameaçada
Sob pressão europeia, o status de dhimmi foi abolido em 1839 e a igualdade jurídica dos súditos do império foi proclamada. A animosidade de alguns árabes e drusos em relação aos cristãos, porém, foi reforçada.
A invasão do Iraque de Saddam Hussein pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido (2003) abalou todo o Médio Oriente, provocando reações em cadeia e alimentando o terrorismo islâmico. A presença cristã na Síria diminuiu ainda mais.
Uma cultura com dois mil anos está hoje ameaçada. E o passado jihadista do novo senhor de Damasco justifica a maior vigilância.
Os países ocidentais devem condicionar o reconhecimento das novas autoridades ao respeito pelos direitos dos cristãos. E garantir o cumprimento dos compromissos assumidos.
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