PEC sobre recursos a candidatas é “Cavalo de Troia” para sucumbir participação feminina, diz especialista
As eleições estão chegando e a violência política de gênero amedronta e afasta as mulheres da disputa de cargos legislativos, representado uma das causas principais que desestimulam a participação feminina nessa área...
As eleições estão chegando e a violência política de gênero amedronta e afasta as mulheres da disputa de cargos legislativos, representado uma das causas principais que desestimulam a participação feminina nessa área.
Atualmente, as mulheres representam mais de 52% do eleitorado do país, somente 15% das cadeiras da Câmara dos Deputados são ocupadas por mulheres. Até as eleições de 2018, esse percentual era ainda menor, de 10%. Isso faz com que o Brasil ocupe a 144ª colocação em um ranking com 192 países nesse quesito.
De acordo com o TSE, uma pesquisa constatou que três em cada quatro mulheres que se candidataram sofreram algum tipo de violência nas eleições municipais de 2020. ainda segundo o levantamento, 97,7% das candidatas sofreram agressões psicológicas, de acordo com o levantamento. Das 142 candidatas negras entrevistadas, 98,5% relataram terem sido impactadas por mais de um tipo de violência política no pleito de 2020.
Em entrevista a O Antagonista, a eleitoralista Gabriella Miranda (foto) afirma que, desde que foi instaurada como regra pelo TSE em 2018, a obrigação de partidos repassarem pelo menos 30% da verba do fundo eleitoral para campanhas femininas já foi alvo de diversas propostas no Congresso com objetivo de flexibilizar essa porcentagem.
“A bola da vez é a PEC 18/2021 que visa tornar constitucional o repasse mínimo de 30% dos fundos partidário e eleitoral para mulheres, é vendida como avanço, mas o objetivo é anistiar as siglas que não repassarem verba a mulheres, mais especificamente em seu art.6-B, dispõe que não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do Fundo Partidário aos partidos que não preencheram a cota mínima de gênero e/ou raça, ou que não destinaram os valores mínimos correspondentes a estas finalidades, em eleições ocorridas antes da promulgação desta Emenda Constitucional”, diz.
Leia a íntegra da entrevista:
O Brasil tem mais mulheres que homens em sua população. Mesmo assim, para a política, elas são minoria. Por que ainda é tão baixo o número de mulheres que são candidatas e são eleitas?
A legislação eleitoral e a jurisprudência dos tribunais têm contribuído para mudar esse cenário, ainda que lentamente, apesar dos avanços a ocupação de espaços de poder ainda não reflete a realidade social, principalmente quando se trata de cargos políticos, pois ainda são os ocupados por homens em sua maioria absoluta, enquanto as mulheres correspondem a maioria do eleitorado brasileiro.
Ocorre, entretanto, que desde a primeira previsão legislativa das cotas de gênero para todos os cargos com eleições pelo sistema proporcional, já se passaram mais de 25 anos e, ainda assim, a participação ativa das mulheres no âmbito político pouco evoluiu. O Brasil está entre os países com baixa representação feminina na política, ocupando a 142ª posição entre 191 nações citadas no mapa global de mulheres na política da Organização das Nações Unidas.
O grande problema é que essa baixa representatividade se reflete, na maioria das vezes, em falta de investimento. É justamente pelo fato de as siglas serem comandadas majoritariamente por homens, que há tanta rejeição às normas exigindo mais mulheres participando e concorrendo.
O profundo apartamento das mulheres das estruturas decisórias das agremiações partidárias, além da severa invisibilidade é o que marca as candidaturas femininas, carentes de estrutura, apoio e financiamento por parte dos partidos.
Como as novas leis eleitorais, previstas para a eleição deste ano, vão fomentar o número de mulheres na política?
Diante da sub-representação das mulheres na política, medidas como a Emenda Constitucional 111, tornaram-se exigência da legislação eleitoral, que prevê que haverá a contagem em dobro dos votos de mulheres e negros para fins de apuração do Fundo Eleitoral dos partidos, ao menos até as eleições de 2030.
Sendo assim com o fator financeiro do fundo eleitoral em jogo é uma questão de sobrevivência aos partidos, abrirem espaços para mais mulheres.
O que partidos têm feito para ampliar a participação das mulheres no meio político?
Em 2015 a lei dos partidos políticos trouxe a obrigação das agremiações repassarem o percentual mínimo de 5% do fundo partidário para as secretarias da mulher, a fim de custear programas de promoção e difusão da participação política feminina, que deve ser feito de maneira a capacitá-las antecipadamente ao pleito. Outro ponto importante para a ampliação, seria que todos os partidos tivessem cotas para mulheres nos cargos de direção. Os partidos hoje funcionam como um gargalo de candidaturas e comandam o valor que será aportado em cada campanha.
Proposta no Senado quer eximir partidos de repassar verba para candidatas. Como é isso? Por que essa proposta?
Desde que foi instaurada como regra pelo TSE em 2018, a obrigação de partidos repassarem pelo menos 30% da verba do fundo eleitoral para campanhas femininas já foi alvo de diversas propostas no Congresso com objetivo de flexibilizar essa porcentagem.
A bola da vez é a PEC 18/2021 que visa tornar constitucional o repasse mínimo de 30% dos fundos partidário e eleitoral para mulheres, é vendida como avanço, mas o objetivo é anistiar as siglas que não repassarem verba a mulheres, mais especificamente em seu art.6-B, dispõe: “Não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do Fundo Partidário aos partidos que não preencheram a cota mínima de gênero e/ou raça, ou que não destinaram os valores mínimos correspondentes a estas finalidades, em eleições ocorridas antes da promulgação desta Emenda Constitucional”.
Sem nenhum pudor, a proposta é anistiar as fraudes, abusos e violações praticados por partidos políticos! Afinal, historicamente, quando o partido não se vê obrigado a cumprir uma regra, tende a burlá-la…
Dessa maneira a aprovação e consequente consolidação de tal artigo junto à Constituição, se tornaria o cavalo de Tróia responsável pela sucumbência da participação política feminina.
O que motiva a violência política contra mulheres no Brasil?
As agressões contra mulheres na política ocorrem, na maior parte das vezes, não em forma de agressões físicas, mas permeiam desde interrupções em suas falas, ameaças e xingamentos, questionamentos acerca da vida privada e sexual, comentários inadequados sobre suas aparências e modo de se vestir, propagações de notícias que questionam a imagem e a honra, a não distribuição de relatoria de temas relevantes ou de repercussão, aleijando seu poder político, e até mesmo na desproporcionalidade de repasse de fundo partidário.
Apesar da árdua caminhada que as mulheres vêm enfrentando no cenário político, é importante ressaltar os avanços recentes como a Lei. 14.192/2021 que define como crime eleitoral as práticas de assédios contra candidatas a cargo eletivo ou detentoras de mandato.
A lei traz um alento para quem enfrenta isso em seu cotidiano, ela conceitua violência política contra a mulher como toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher. Acrescenta também qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício dos seus direitos e das suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo. Inclusive se tornando um marco inicial para garantir os direitos políticos das mulheres e combater tais abusos e violências.
Ainda no ano passado, o Congresso promulgou emenda que permitirá a contagem em dobro dos votos de mulheres e negros para fins de apuração do Fundo Eleitoral dos partidos, ao menos até as eleições de 2030. Como é isso?
Para estimular candidaturas, votos dados a mulheres e pessoas negras, a partir das Eleições 2022, serão contados em dobro para fins de distribuição, entre os partidos políticos, dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Fundo Eleitoral).
Em seu Art. 2º prevê: “Para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições realizadas de 2022 a 2030 serão contados em dobro.
Parágrafo único. A contagem em dobro de votos a que se refere o caput somente se aplica uma única vez.”
Com a grande mudança nesse parâmetro de contagem em dobro de votos dados a mulheres e negros para fins de distribuição do fundo eleitoral, traz a necessidade estratégica dos partidos em indicar, apoiar de fato e não de fachada, candidaturas de mulheres permitindo e promovendo todas as condições de concorrência disponíveis.
Afinal, um dos maiores problemas que se tem hoje é justamente que menos de 1% dos candidatos concentram quase que 80% da distribuição dos recursos. E o dinheiro ainda é um fator determinante para se converter candidaturas em mandatos e se alcançar um bom patamar de votação.
Nas eleições de 2018, houve um grande número de candidaturas laranjas de mulheres. Esse ano vai ser diferente? Tem como saber se a mulher é candidata? Como a Justiça Eleitoral tem reagido a isso?
O TSE tem sido fundamental em se posicionar de maneira intrépida nos casos de candidaturas fictícias, mais conhecidas como candidatas fantasmas, cujas mulheres são registradas apenas para cumprir a cota de gênero, sem possibilidade ou intenção de concorrer ao pleito.
A realidade que passou a imperar foi a massiva tentativa de fraudar o preenchimento da cota legal de gênero.
Por todo o país, partidos políticos convocavam mulheres para concorrer às eleições sem destinar qualquer recurso às suas campanhas. Não raro, muitas mulheres tiveram seus nomes utilizados sem nem saber ou ter intenção em disputar as eleições.
São incontáveis as decisões e normas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na tentativa exaustiva de combater as fraudes à cota de gênero, com a consequente cassação dos diplomas de vereadores eleitos por chapas que forjaram o percentual de gênero.
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