SmartFit e a peruca na contabilidade
Hoje quero falar de uma posição short (vendida) minha. Não vou questionar o valuation, vou me ater à prática contábil e à divulgação de informação incorreta ao acionista...
Por Pedro Cerize
Hoje quero falar de uma posição short (vendida) minha. Não vou questionar o valuation, vou me ater à prática contábil e à divulgação de informação incorreta ao acionista.
A SmartFit diz em seu press release que a DL (Dívida Líquida) da empresa é de cerca de R$ 750 milhões e o Ebitda (Lucros antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização) levemente acima de R$ 1 bilhão. Com isso, o múltiplo DL/Ebitda é de 0.7.
Até aí seria pura aritmética, não fosse a livre interpretação da norma contábil que orienta considerar o leasing operacional na dívida da companhia. Só que isso não está no press release. Não aparece em nenhum local na apresentação, nem mesmo em algum asterisco escondido nos slides.
Para identificar o desaparecimento desta parcela da dívida, você tem que consultar o ITR (Formulário de Informações Trimestrais). Lá, o investidor mais cuidadoso vai encontrar outros R$ 3.5 bilhões em leasing.
A depreciação (não-caixa) não é para pagar a dívida. Ela precisa pagar antes o aluguel da academia e dos equipamentos. Sem aluguel, não tem academia aberta e, consequentemente, não tem receita.
A forma correta, portanto, seria somar aos R$ 750 milhões de dívida líquida os R$ 3.5 bilhões em arrendamentos, com isso esse passivo passaria a R$ 4.2 bilhões. Assim teríamos o múltiplo DL/Ebitda real em mais de 4 vezes contra os modestos 0,7 anteriores.
O pior é que a dívida está crescendo. Do outro lado, Ebitda também está. Então podemos considerar, para fins de exercício mental para o negócio, que as academias, que estavam vazias na pandemia, agora estão cheias. Portanto, não dá para crescer mais sem abrir mais academias, que precisam de mais leasing.
Por incrível que pareça, a SmartFit adota o regime de contabilidade caixa. Vendeu mais plano anual no verão? Todo o dinheiro da venda, toda receita entra no verão. E se academia está cheia no verão, esse é o limite de geração de caixa da academia.
A única solução seria vender mais planos longos, acelerando a receita hoje e contratando a insatisfação futura dos clientes com a lotação exagerada.
Tudo isso nem seria importante se o controlador, um private equity que não vai estar na empresa no longo prazo, não estivesse continuamente vendendo a própria posição na bolsa.
Note: não é fraude, não é golpe. É só uma história que todos os envolvidos conhecem, mas preferem não comentar. Afinal, é só uma forma criativa de contabilidade.
Eu não confiava no Eike porque ele usava peruca. Quem mente no cabelo, mente em tudo. Quem mente na contabilidade, usa peruca nos números.
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) deveria combater com muita energia esse tipo de recurso. Isso corrompe a base da confiança das pessoas no mercado financeiro.
Caso você ainda esteja em dúvida, me explique como uma dívida líquida de R$ 700 milhões gera R$ 700 milhões em despesa financeira. Ou ela paga 100% a.a. em juros ou a dívida é maior.
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