O relatório de Pangloss da CPI da Previdência
Em artigo para o Conjur, Júlio Marcelo de Oliveira, o procurador de Contas junto ao TCU que destrinchou a farsa das pedaladas fiscais de Dilma Rousseff, analisa o relatório da CPI da Previdência que concluiu que... não há déficit na Previdência. Como o personagem Pangloss, de Voltaire, os parlamentares concluíram que vivemos no melhor dos mundos possíveis, mesmo estando no pior dos mundos. Leia um trecho...
Em artigo para o Conjur, Júlio Marcelo de Oliveira, o procurador de Contas junto ao TCU que destrinchou a farsa das pedaladas fiscais de Dilma Rousseff, analisa o relatório da CPI da Previdência que concluiu que… não há déficit na Previdência.
Como o personagem Pangloss, de Voltaire, os parlamentares concluíram que vivemos no melhor dos mundos possíveis, mesmo estando no pior dos mundos.
Leia um trecho:
“Nesta segunda-feira (23/10), foram divulgadas as conclusões da CPI da Previdência. Conforme se esperava, suas conclusões, com ares de evidência científica, sustentam que não há déficit na seguridade social e que, portanto, não haveria necessidade de reforma da previdência.
Não obstante as boas intenções dos integrantes da CPI, o relatório é um desserviço ao país ao vender à sociedade brasileira uma ilusão. Muito pior que as ilusões eleitorais, que prometem o céu na terra, cenários paradisíacos, sem correspondência com a prática governamental implementada por quem vence as eleições, é a negação de problemas graves reais, que já comprometem o presente e irão comprometer ainda mais o futuro (…)
O relatório repete o que já vinha sendo divulgado em vídeos produzidos por sindicatos e que circulam pela internet. Tirando o foco da previdência do setor privado, que é deficitária, tanto a urbana, como a rural, ele concentra sua atenção na seguridade social, que engloba saúde, assistência social e previdência.
Somando-se todas as fontes de receitas previstas para a seguridade social e desconsiderando-se a DRU (desvinculação de receitas da União), vista como um desvio indevido de recursos da seguridade, e os gastos com previdência do setor público (servidores e militares), haveria uma sobra de recursos, um superávit e disso adviria a conclusão panglossiana de que não haveria necessidade de reforma alguma.
Há um conjunto de erros graves na construção desse raciocínio. Primeiro, evitar o foco apenas na questão previdenciária, claramente deficitária. Alegam que não seria possível ou correto fazer isso, uma vez que há receitas destinadas à seguridade como um todo e que, por isso, a análise teria de ser global.
O que estão dizendo, em verdade, é que pouco se importam se a previdência do setor privado é deficitária e tem de ser coberta por recursos que poderiam ir para a saúde e para assistência social. Quanto maior o déficit da previdência do setor privado, menos recursos estarão disponívels para a saúde e assistência social. É curioso que pessoas que defendem mais recursos para a saúde não percebam que ela concorre de forma desigual com a previdência, que, pelas regras atuais, tem crescimento vegetativo superior ao crescimento do PIB e da arrecadação. É uma escolha alocativa errada priorizar gastos com previdência em detrimento de gastos com saúde.
O segundo erro crasso é desconsiderar a DRU dos cálculos, como se ela fosse um golpe contra a seguridade, um desvio de recursos, que pudesse ser corrigido com facilidade e simplicidade. Ignoram que a DRU serve fundamentalmente para custear o gasto com a previdência do setor público federal.
Do ponto de vista meramente jurídico, os gastos com inativos do setor público federal, civis e militares, não integram o orçamento da seguridade social, mas o orçamento fiscal. Trata-se de uma distinção jurídica, mas que não tem, no âmbito da discussão previdenciária, nenhum sentido econômico, uma vez que esse déficit tem de ser coberto onde quer que esteja ele classificado, seja na seguridade social, seja no orçamento fiscal. Dizer que o gasto com inativos do setor público, civis e militares, é o não é seguridade, não muda em nada a gravidade do problema e a necessidade de seu reparo.
Para o contribuinte brasileiro, que já arca com carga tributária de país rico, mas tem serviço público de país atrasado, pouco importa se o seu dinheiro foi usado para pagar a aposentadoria do empregado do setor privado ou a do servidor público federal. É dinheiro gasto com previdência, que requer cada vez mais dinheiro desse contribuinte, deixando os serviços públicos com cada vez menos dinheiro.
Ignorar, portanto, a DRU e sua principal finalidade, é fingir que um rombo previdenciário bilionário não existe ou que ele possa ser facilmente coberto por uma outra fonte de recursos que ninguém sabe qual seria.
O terceiro erro grave é não olhar para o futuro próximo e para o médio e longo prazo. O que deve determinar as regras de um regime previdenciário, para que esteja em equilíbrio e não drene recursos que poderiam ser usados em outras finalidades, são as projeções demográficas. Manter uma adequada relação entre trabalhadores ativos e aposentados e pensionistas é fundamental para esse equilíbrio.”
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)