Josias Teófilo na Crusoé: A realidade interrompida
Filme "Ainda estou aqui", de Walter Salles, reconstitui a poética da família que tenta impedir a passagem do tempo
O longa-metragem Ainda estou aqui, de Walter Salles, parece não querer acabar. E esse não é um comentário negativo. Na verdade é isso que o faz um grande filme.
Trata-se da história de Eunice Paiva, mãe de cinco filhos, cujo marido foi assassinado no DOI-CODI do Rio de Janeiro em 1971.
A realidade pacata da sua vida foi bruscamente interrompida pela visita dos agentes do DOI-CODI, que levaram seu marido, e depois ela própria e a filha de 15 anos. Nunca mais sua vida foi a mesma.
Rio dos anos 1970
Grande parte do impacto do filme vem da construção da amorosa vida cotidiana anterior aos trágicos acontecimentos. Ainda mais no cenário do Rio de Janeiro dos anos 1970, muito bem reconstituído e filmado em 35mm.
Aí faz grande diferença Walter Salles ser um experiente diretor de cinema: ele consegue reconstituir a poética cotidiana na casa da família, que vai sendo gradativamente interrompida pela escalada do autoritarismo: um helicóptero militar na praia, uma brutal revista aos jovens num carro, até que a trágica realidade se impõe sobre a família: o pai (Rubens Paiva) foi preso, morto, e não voltará mais para casa.
Mas Eunice se recusa a deixá-lo ir assim. Durante todo o filme vemos os personagens registrando o tempo: seja através de filmagens em super 8, ou da fotografia, ou em cartas.
Mudança trágica e brusca
No começo, parece um tema insistente demais na narrativa. Até que entendemos: os personagens se apegam ao tempo, não querem deixá-lo passar, especialmente Eunice – nesse sentido, o filme espelha a ação dos personagens.
Foi essa a forma de lutar contra a mudança trágica e brusca.
A ação de escrever o livro que viria a ser adaptado, feito por Marcelo Rubens Paiva, é igualmente uma forma de não deixar o tempo passar. Nesse sentido, o filme é metalinguístico, pois mostra a história da própria realização, por assim dizer.
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