A militância contra o passado A militância contra o passado
O Antagonista

A militância contra o passado

avatar
Josias Teófilo
4 minutos de leitura 05.11.2022 14:22 comentários
Cultura

A militância contra o passado

Recentemente, duas jovens ativistas do grupo Stop the Oil jogaram sopa de tomate no famoso quadro Os Girassóis, de Vincent van Gogh, na National Gallery em Londres. O vídeo da “performance”, em que também se ouve a leitura de um manifesto com pautas climáticas, viralizou rapidamente, causando indignação. A pintura, entretanto, não chegou a ser danificada, pois estava atrás de um vidro protetor...

avatar
Josias Teófilo
4 minutos de leitura 05.11.2022 14:22 comentários 0
A militância contra o passado
Reprodução

Recentemente, duas jovens ativistas do grupo Stop the Oil jogaram sopa de tomate no famoso quadro Os Girassóis, de Vincent van Gogh, na National Gallery em Londres. O vídeo da “performance”, em que também se ouve a leitura de um manifesto com pautas climáticas, viralizou rapidamente, causando indignação. A pintura, entretanto, não chegou a ser danificada, pois estava atrás de um vidro protetor.

Inspirados pelo ato, dois ambientalistas jogaram purê de batata em uma pintura de Monet que está em exposição no Museu Barberini, em Potsdam, na Alemanha. E citaram a fala do ato anterior: “O que vale mais, a arte ou a vida?”.

O grande escultor Alberto Giacometti dizia que, num incêndio, entre salvar um quadro de Rembrandt e um gato preto, ele preferia salvar o gato preto. O que ele queria dizer é muito simples: a vida é mais importante que a arte. Inclusive, porque a vida é a fonte da arte.

Só que a arte e a vida não são concorrentes. O contraponto feito por Giacometti é uma exaltação poética da vida. Não é assim que pensam os militantes: a arte para eles é um instrumento de retórica política. A arte ali é um pretexto.

Os atos contra obras de arte em museus não são fatos isolados, eles representam não só uma tendência, como também uma mentalidade destrutiva que tem por alvo os bens simbólicos do passado. O vandalismo contra pinturas, a censura a filmes e livros do passado, a destruição e remoção de estátuas de logradouros públicos, tudo mostra uma tendência destrutiva com raízes psicológicas profundas.

Mircea Eliade diz que o homem, faça o que fizer, é um herdeiro. Por mais que o indivíduo moderno seja dessacralizado, e até mesmo rejeite inteiramente a religião, termina adotando comportamentos e práticas religiosas, mesmo que desfigurados até a caricatura.

Um dos fundamentos da religiosidade é a crença no fim do mundo, a chamada escatologia, e numa era posterior de abundância e beatitude. As ideologias modernas, especialmente o nazismo e o comunismo, estão cheios de elementos escatológicos que têm origem, em última instância, no cristianismo. Como diz Norma Cohn: “A batalha final e decisiva dos eleitos (sejam eles da ‘raça ariana’ ou ‘proletariado’) contra as hostes do mal (sejam eles os judeus ou a ‘burguesia’) (…) resultam num ‘mundo purificado’, no qual a história irá encontrar sua consumação.”

Também o ambientalismo, transformado em ideologia, tem elementos escatológicos, e não é à toa sua proximidade com o marxismo atual. Toda a argumentação dos militantes ambientalistas se referem a um fim do mundo e à continuidade da humanidade frente ao apocalipse climático. Ao pretender salvar o mundo para as próximas gerações, eles arrogam para si, primeiro, o poder de previsão, e depois, o próprio sentido da história do homem no mundo, o que, evidentemente, eles não têm como prever nem como controlar. 

Tal mentalidade leva a reações destrutivas, de mudança radical do rumo da história, de superação do passado. Só que o passado não é facilmente superado, como demonstrou Eliade, pois está profundamente entranhado na psique humana. 

Sobre isso, Chesterton tem contribuição fundamental. No livro O que há de errado com o mundo, ele diz: “O futuro é o refúgio onde nos escondemos da competição feroz de nossos antepassados. Posso moldar o futuro tão estreito quanto eu mesmo. Já o passado tem por obrigação ser tão turbulento quanto a humanidade.” 

Ao voltar-se contra os símbolos da arte do passado, os ativistas tentam exorcizar a força, que pode ser até mesmo opressora, dos antepassados, e moldar um futuro à imagem da sua própria pequenez.

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Agora vai, Haddad?

Visualizar notícia
2

Tarcísio defende Bolsonaro contra “narrativa disseminada”

Visualizar notícia
3

Trump nomeia ex-procuradora da Flórida após desistência de Gaetz

Visualizar notícia
4

Líder da Minoria sobre indiciamentos: "Narrativa fantasiosa de golpe"

Visualizar notícia
5

"Não faz sentido falar em anistia", diz Gilmar

Visualizar notícia
6

Bolsonaro deixou aloprados aloprarem?

Visualizar notícia
7

A novela do corte de gastos do governo Lula: afinal, sai ou não sai?

Visualizar notícia
8

Crusoé: Morales acusa governo boliviano à ONU de violar direitos humanos

Visualizar notícia
9

Fernández vai depor na Argentina sobre suposto episódio de violência doméstica

Visualizar notícia
10

PGR vai denunciar Jair Bolsonaro?

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

Calendário PIS 2025 (21/11): Saiba os valores e como receber!

Visualizar notícia
2

Mandado contra Netanyahu não tem base, diz André Lajst

Visualizar notícia
3

Bolsonaro deixou aloprados aloprarem?

Visualizar notícia
4

Trump nomeia ex-procuradora da Flórida após desistência de Gaetz

Visualizar notícia
5

PGR vai denunciar Jair Bolsonaro?

Visualizar notícia
6

Tarcísio defende Bolsonaro contra “narrativa disseminada”

Visualizar notícia
7

Agora vai, Haddad?

Visualizar notícia
8

"Não faz sentido falar em anistia", diz Gilmar

Visualizar notícia
9

A novela do corte de gastos do governo Lula: afinal, sai ou não sai?

Visualizar notícia
10

Líder da Minoria sobre indiciamentos: "Narrativa fantasiosa de golpe"

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

arte girassóis Josias Teófilo militância
< Notícia Anterior

Ativistas se colam a quadros de Goya na Espanha

05.11.2022 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Coreia do Norte volta a disparar mísseis

05.11.2022 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Josias Teófilo

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Josias Teófilo na Crusoé: A realidade interrompida

Josias Teófilo na Crusoé: A realidade interrompida

Visualizar notícia
Crusoé: Exposição na Suíça mostra primórdios da arte moderna no Brasil

Crusoé: Exposição na Suíça mostra primórdios da arte moderna no Brasil

Visualizar notícia
Índia revoga proibição dos "Versos Satânicos" de Salman Rushdie

Índia revoga proibição dos "Versos Satânicos" de Salman Rushdie

Visualizar notícia
Podcast OA! recebe o humorista Maurício Meirelles

Podcast OA! recebe o humorista Maurício Meirelles

José Inácio Pilar Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.