A crônica de estreia de Tio Barnabé A crônica de estreia de Tio Barnabé
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A crônica de estreia de Tio Barnabé

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Redação O Antagonista
6 minutos de leitura 24.01.2016 12:24 comentários
Cultura

A crônica de estreia de Tio Barnabé

A partir deste domingo, O Antagonista vai publicar uma série de crônicas sobre Brasília, fonte de nossos males (inclusive para os brasilienses). Quem as assina é Tio Barnabé, pseudônimo de um mineiro de Paracatu, já falecido, que trabalhou a maior parte da vida no Superior Tribunal Militar.O seu sobrinho propôs ao Antagonista que as publicasse, com o seguinte argumento: "Encontrei umas coisas escritas em cadernos Tilibra sem pauta, com caneta Parker 51 antiga. Achei engraçadas, às vezes desarrazoadas e outras tantas cogitei se não seriam anotações de alguém com transtorno de humor. De todo modo, a letra é boa, o espaçamento adequado, quase sem borrões e dá impressão que escreve de golfada. O lugar mais apropriado me pareceu ser a publicação em O Antagonista, afinal creio que a leitura de contexto, barba, cabelo, bigode, buço, contorno e retorno desse material tem a cara dos leitores desse atilado site noticioso e dos Cavaleiros do Apocalipse que o empreendem".Argumento aceito, e esclarecido o fato de que Tio Barnabé não pertencia nem mesmo remotamente ao clã Odebrecht, decidimos abrigar o autor em nosso site.A seguir, a crônica de estreia...O prólogo de uma tragédia

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Redação O Antagonista
6 minutos de leitura 24.01.2016 12:24 comentários 0

A partir deste domingo, O Antagonista passará a publicar uma série de crônicas sobre Brasília, fonte de nossos males e aflições (inclusive para a maioria dos brasilienses). Quem as assina é Tio Barnabé, pseudônimo de um mineiro de Paracatu, já falecido, que trabalhou a maior parte da vida no Superior Tribunal Militar.

O seu sobrinho propôs ao Antagonista que as publicasse, com o seguinte argumento: “Encontrei umas coisas escritas em cadernos Tilibra sem pauta, com caneta Parker 51 antiga. Achei engraçadas, às vezes desarrazoadas e outras tantas cogitei se não seriam anotações de alguém com transtorno de humor. De todo modo, a letra é boa, o espaçamento adequado, quase sem borrões e dá impressão que escreve de golfada. O lugar mais apropriado me pareceu ser a publicação em O Antagonista, afinal creio que a leitura de contexto, barba, cabelo, bigode, buço, contorno e retorno desse material tem a cara dos leitores desse atilado site noticioso e dos Cavaleiros do Apocalipse que o empreendem”.

Argumento aceito, e esclarecido o fato de que Tio Barnabé não pertencia nem mesmo remotamente ao clã Odebrecht, decidimos abrigar o autor em nosso site.

A seguir, a crônica de estreia:

Um plano ainda piloto

Sempre entendi que a expressão “Plano Piloto” do projeto urbanístico de Lúcio Costa era no sentido de que se tratava de obra experimental. Se foi isso mesmo, parabéns ao vislumbre de tragédia do douto urbanista.

Segundo o museu virtual de Brasília, o projeto “sugeria uma nova concepção de vida, baseada no resgate de valores essenciais ao bem-estar coletivo. Uma cidade-parque em que homem e natureza convivessem de forma harmoniosa e em que os laços comunitários fossem fortalecidos. Uma capital arrojada e moderna, com um sistema viário inovador, pontuada por monumentos de forte impacto cívico e arquitetônico”.

Para quem não é daqui ou não sabe mesmo, os princípios básicos do projeto eram a setorização urbana por atividades e um novo tipo de técnica viária que eliminaria os cruzamentos com as famosas tesourinhas.

A cidade teria dois grandes troncos de circulação, o Eixo Monumental, que vai de Leste a Oeste, e o Eixo Rodoviário-Residencial (Eixão), que vai de Norte a Sul e é cortado transversalmente pelas vias locais.

Com exceção de poucos edifícios altos na chamada área central, o Plano Piloto se caracterizaria pela paisagem horizontalizada, pela predominância de grandíssimos espaços livres e pela grande amplitude visual. Tudo romanticamente estilizado em escalas que o poeta urbanista chamou de residencial, monumental, gregária e bucólica.

Lúcio Costa, francês de nascimento, vivia no final da década de 50 no Rio de Janeiro, o melhor lugar da Terra para ser elite, criar a bossa nova e jogar frescobol nas praias de Ipanema e Copacabana. Entretanto, como sabemos, naquela época, 7 em cada 10 crianças em idade escolar estavam fora da escola.

O projeto urbanístico de Brasília logo expulsou os pobres para a mais distante periferia (aqui chamada de “cidades satélites”), e a tal escala residencial ficaria destinada apenas a uma elite (mesmo as quadras teoricamente menos aquinhoadas). O modelo favoreceu as construtoras, criou milionários da noite para o dia e encareceu a infraestrutura.

O Distrito Federal tem hoje cerca de 3 milhões de habitantes e o Plano Piloto é habitado praticamente por barnabés privilegiados. Pela especulação imobiliária, tem dos metros quadrados mais caros do país. As áreas públicas são gigantescas (escala monumental) e o Estado (pouco eficiente) não consegue sequer manter adequadamente a corta dos extensos gramados. Por aqui a precariedade do espaço público é a regra.

Durante a semana, milhões se movimentam (de carro, na maior parte) das cidades satélites para trabalharem no Plano Piloto e muita gente, muita gente mesmo, na Esplanada dos Ministérios. Os engarrafamentos são frequentes na cidade de apenas 50 e poucos anos.

As quadras residenciais de 6 andares são feias e monótonas como todas as obras de Le Corbusier.

As quadras comerciais são horrorosas, mas as pessoas por aqui se acostumaram à feiura.

O calçamento em frente às lojas comerciais não é padronizado e deve ter das piores acessibilidades que se tem notícia no mundo civilizado.

O lixo é exposto em caçambas abertas, palco perfeito para ratazanas e baratas, espalhando mau cheiro por todo o entorno.

O chamado Lago, norte e sul e adjacências, é o mais próximo às dachas soviéticas que temos no Brasil. Um símbolo da exclusão e do mau aproveitamento do espaço público. Por conta disso, toda a orla do lago foi privatizada e grande parte do acesso ao Lago é realizado por trapiches que estão dentro da “propriedade” desses felizes moradores lacustres.

A chamada escala gregária só poderia ser uma piada de Costa, pois as pessoas em Brasília não se encontram nas ruas e nas calçadas (nos chamados aglomerados urbanos), porque isso não é proporcionado.

O sonho da cidade, um espaço onde as pessoas conviveriam e trocariam experiências, amores e inteligência, tudo isso de Brasília foi subtraído.

Artistas menores como Athos Bulcão são incensados. A literatura (salvo exceções que conto na mão) não existe, exceto alguma poesia…

A W3 é, num domingo, quase uma distopia: prostitutas, punguistas, traficantes e vagabundos de toda ordem.

As pessoas que têm dinheiro vão aos clubes cafonas (normalmente de algum órgão público) e nos churrascos das “repartições”. Nesses encontros se tem a oportunidade de puxar o saco do chefe e cavar uma promoção baseada no compadrio.

Temos relatos interessantes de olhares estrangeiros nessa cidade. Muitos viajantes passaram por aqui e não gostaram.

Marshall Berman, por exemplo, que por aqui esteve, odiou. Relembrou que a América Latina começa com algo como o modelo espanhol de urbanismo, onde as cidades eram construídas ao redor da “plaza mayor” e dali brotariam os espaços de convivência naturalmente. Em Brasília tem de se tomar o ônibus ou o carro para se tomar um café com o amigo ou a namorada.

Ao fim e ao cabo, temos os suspeitos de sempre e suas ligações perigosas. Ao levar o governo para longe das multidões, JK seguiu o modelo de Luís XIV, em Versalhes. Dizem que o Rei Sol era um dos heróis de Le Corbusier, que por sua vez era ídolo de Niemeyer, que era admirador declarado de Stálin.

Acho que já se disse demais contra Brasília, eu apenas faço minha parte. Em tempo: foi Lúcio Costa quem elaborou o Plano Piloto da Barra, no Rio de Janeiro (risos contidos).

O prólogo de uma tragédia

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