Ricardo Kertzman na Crusoé: A arte da perfumaria
Não existe cheiro ruim, só perfume inadequado
Seja lá por quais razões — que seguramente meu terapeuta conhece bem, afinal mais de 25 anos de análise —, fui uma criança, digamos, perturbada.
Na memória (consciente), além de fatos marcantes, alguns filmes (e músicas) que certamente significaram algo.
Dois são “figurinhas carimbadas”: O Exorcista — cruz credo! —, de 1973, e uma série de TV chamada O Sexto Sentido, cuja abertura tinha como trilha a música Time, da banda inglesa Pink Floyd.
Enquanto os relógios “voavam” sob o fundo musical na pequena tela em preto e branco, o locutor soturno anunciava: “tato, olfato, paladar, visão, audição e… o sexto sentido”.
Cruz credo outra vez!
Chega a me dar calafrios a lembrança. Eram episódios de suspense. Por que diabos, afinal, eu insistia em ver aquilo e passar noites em prantos, às voltas com pesadelos terríveis?
Muito bem. Curiosamente, anos depois, já com outras perturbações à mente — e à frente —, comecei a trabalhar no ramo de perfumaria, numa das maiores empresas de aromas e fragrâncias do mundo.
Em tempo: ao contrário do que muitos pensam, neste setor, aroma não é cheiro, mas sabor. E fragrância, tudo aquilo que “dá cheiro”.
Covid-19
Eu comecei a trabalhar relativamente cedo. Com 17 anos, entrei como estagiário no extinto Banco Nacional (patrocinador histórico do não menos histórico Ayrton Senna).
Com 20, mudei-me de Belo Horizonte para São Paulo e iniciei na área comercial desta empresa, à época, uma multinacional alemã (hoje um conglomerado suíço). Foi quando mergulhei de cabeça no mundo da perfumaria, em que trabalhei por mais de 30 anos.
O olfato, um dos cinco sentidos — ou seis, como queiram os místicos —, talvez seja o menos importante, ao lado do paladar. Como sei? Bem, ao contrair a maldita Covid, em 2020, passei alguns meses privado de ambos e cá estou. Viver sem sentir cheiro e gosto não impede uma “vida normal”.
Mas a incapacidade de ver, ouvir e tocar traz limitações de difícil superação.
Por outro lado, como as artes, os cheiros fazem parte da beleza da vida: daqueles biscoitinhos de nata que a vovó assava; do café sendo passado na hora; do cangote da menina do primeiro beijo; das dobrinhas da filhotinha ainda no berço.
O olfato desperta sentimentos e mexe com as nossas mais profundas memórias afetivas — não raro, de forma inconsciente ou imperceptível, aliás. Os tais feromônios, por exemplo.
Perfumes
O mundo da perfumaria é extenso e interessante.
Um mergulho, ainda que superficial, nas matérias-primas que compõem um perfume, deixará o interessado perplexo pela variedade e formas de extração.
Das substâncias encontradas no estômago de uma baleia ao “suor” de uma rosa — captado por equipamentos de alta precisão —, passando por glândulas sexuais de animais silvestres, há “de tudo um pouco” na composição de um perfume, que costuma contar com 200 ou mais substâncias diferentes, combinadas “milimetricamente” por perfumistas — artistas capazes de armazenar na memória milhares de cheiros diferentes que, combinados, nos tornam mais seguros, sedutores e agradáveis no convívio social.
Devo à perfumaria meu sucesso empresarial e, muito provavelmente, minha…
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