Procuradores vão questionar no STF nova Lei de Improbidade
No começo da próxima semana, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) deve apresentar ao STF uma ação direta de inconstitucionalidade sobre diversos dispositivos da nova lei de improbidade administrativa. A comissão criada pelos procuradores vai questionar a lei com base no conceito de “proteção insuficiente”...
No começo da próxima semana, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) deve apresentar ao STF (foto) uma ação direta de inconstitucionalidade sobre diversos dispositivos da nova lei de improbidade administrativa, aprovada pelo Congresso em setembro e sancionada no final de outubro por Jair Bolsonaro.
A comissão dos procuradores vai questionar a lei com base no conceito de “proteção insuficiente”. A ideia é que as inovações tornaram impossível proteger adequadamente os princípios estabelecidos pela Constituição para a administração pública.
“A própria Carta cuida de estabelecer as punições para a improbidade administrativa, o que é raro”, diz o presidente da ANPR Ubiratan Cazetta. “O parágrafo quarto do artigo 37 diz que ela deve acarretar suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário. As modificações na lei tornaram muito difícil punir um comportamento considerado tão nocivo que os próprios constituintes procuraram coibi-lo.”
A tramitação da nova lei foi acelerada, por obra e graça do presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL). O Ministério Público criticou o projeto desde o início, tentou alterá-lo, mas conseguiu emplacar poucas sugestões. Os pontos mais atacados pelos procuradores continuaram no texto, tais como exigência de comprovação de dolo (intenção) para a condenação de agentes públicos e o encurtamento da duração dos inquéritos.
O mundo jurídico, na verdade, se dividiu em relação a esse assunto. Juristas respeitados como Carlos Ari Sundfeld, um dos padrinhos da lei, afirmam que o MP banalizou a acusação de improbidade e que isso resultou no chamado “apagão das canetas”: a decisão dos gestores públicos de não assinar nenhum documento oficial, com medo de serem processados e passarem anos respondendo ações na Justiça.
Defensores de um uso mais parcimonioso das ações de improbidade evocam a imagem do proverbial prefeito de cidadezinha do interior, que não conhece as regras da administração nem conta com assessores experientes, e acaba enrolado na Justiça por errar procedimentos sem desejo de causar dano, desviar ou embolsar dinheiro público.
Até quem elogia a nova lei, contudo, concorda que ela foi longe demais em alguns pontos.
Um deles diz respeito à prescrição, o prazo a partir do qual um crime já não pode ser punido. A prescrição da improbidade passou a ser de oito anos. Mas há uma pegadinha. Assim que um processo começa a correr, o prazo cai pela metade. É quase como se o início de uma ação desse tipo viesse acompanhado de um presente para o réu.
Uma pesquisa de 2015 do Conselho Nacional de Justiça mostrou que a duração média das ações de improbidade é de 4,26 anos. Ou seja, a chance de os culpados escaparem de qualquer punição agora é enorme. Além disso, processos que já estão tramitando há mais de quatro anos serão encerrados – haverá uma queima de estoque.
“Não lembro de outra circunstância em que o início do processo reduza o prazo de prescrição”, diz o juiz aposentado e constitucionalista José Renato Nalini, que foi presidente do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. “Parece ser uma nova jabuticaba jurídica.”
Outro exemplo é a perda de função pública para quem for pego na improbidade, que passa a valer apenas para o mesmo tipo de cargo que o malandro ocupava. Assim, um vereador que fizesse rachadinha, digamos, em Alagoas, não poderia mais ser vereador caso fosse condenado, mas não teria problemas para assumir uma cadeira de deputado federal. Em tese, poderia até mesmo ser presidente da Câmara.
“Isso pode fazer com que políticos profissionais e funcionários públicos bem relacionados adotem um zigue-zague entre cargos para fugir da improbidade”, diz um criminalista que defende diversos políticos profissionais e funcionários públicos bem relacionados, e por isso prefere não se identificar.
“Improbidade não é algo que esteja ligado a um cargo específico”, diz Cazetta. “A desonestidade é da pessoa e por isso a lei e Constituição procuram afastá-la das funções públicas.”
Esses são dois dos tópicos que a ação de inconstitucionalidade da ANPR pretende atacar e, quem sabe, ver derrubados.
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