Orlando Tosetto Júnior na Crusoé: Vai pra esteira, Brasil
Por que é que eu deveria tomar resoluções enquanto o país fica aí, cutucando as unhas e palitando os dentes, inerte?
O ano já leva nove dias, amigo, e eu ainda não tomei nenhuma resolução para ele.
Gostaria de dizer que é porque estou tendo muito cuidado com o que resolver, que estou ponderando longamente minhas alternativas e possibilidades, e assim tomar as resoluções mais consequentes, mais socialmente relevantes, mais responsáveis.
Mas a verdade é que me deu preguiça.
Aliás, faz tempo que me dá preguiça: a minha única resolução de Ano Novo dos últimos anos é chegar vivo ao dia 31 de dezembro.
Parece fácil, e a taxa de sucesso, de 100%, sugere isso mesmo; mas vai haver um ano em que eu vou falhar.
É verdade que vou falhar uma vez só, mas vou.
Por outro lado, me pergunto por que é que eu deveria tomar resoluções enquanto o Brasil fica aí, cutucando as unhas e palitando os dentes, inerte, sem tomar resolução nenhuma.
E é aí que eu quero chegar: o que eu queria mesmo é que o Brasil tomasse umas resoluções de Ano Novo.
Que o Brasil resolvesse: “neste ano eu vou mudar isto, vou fazer aquilo e vou deixar de fazer aquilo outro”.
Como se fosse uma mulher ou homem perto da meia-idade pulando sete ondas na praia na virada do ano, se roendo de inveja de gente mais bonita, melhor de vida e mais em forma do que eles, e decidido a fazer algo a respeito.
Por exemplo: fazer mais exercícios.
O shape do Brasil faz tempo que não tá legal.
Dar uma encolhida na barriga grande, naquele pneuzão formado pelo déficit público monstruoso, que tal?
Reduzir a papada da proliferação de municípios que não se sustentam sozinhos, pode ser?
Diminuir a banharada das estatais ineficientes, bora lá?
Ficar bem mais enxuto?
Vai pra esteira, Brasil, vai pra hidroginástica.
Ou vai pra ergométrica (mas cuidado, cuidado com as pedaladas, hein?).
Mexa-se, é gostoso pra chuchu.
E você ainda evita a arteriosclerose inflacionária, cujas varizes já estão aparecendo.
Você também pode fazer dieta, Brasil.
Cortar o excesso de calorias dos gastos públicos, que tal?
Dar aquela reduzida nos açúcares do montão de ministérios que você arranjou.
Diminuir o colesterol da taxação.
Acabar com esses triglicérides da vigilância do PIX dos pejotinhas.
Vai fazer um bem danado para todos os órgãos que trabalham para manter o teu corpinho, órgãos para os quais, admita, você não dá muita bola.
Ou que tal parar de fumar?
Você vive reclamando das baforadas dos outros, mas tá fumando a Amazônia que é uma coisa de louco, acendendo uma árvore no toco queimado de outra.
Aliás, lá em 2022 você tinha jurado que ia diminuir os cigarros, e não é que aumentou para dez maços por dia?! Tome tento, Brasil, olha o câncer de pulmão!
Outra: ler mais, e ler melhor.
Ler os clássicos, ler os russos, ler os filósofos gregos e alemães.
Ou ler mais Machado e Alexandre Soares Silva, que já são teus, e menos essa enxurrada de escritoras e escritores brasileiros que estão aí na praça dando uma pinceladinha tênue de ficção, muito mal ajambrada, muito mal concebida, em cima de suas peças de agitprop ideológico, e fazem de conta (com a ajuda da crítica) que escreveram grandes romances.
Ou quem sabe aprender um idioma.
Posso dar uma sugestão?
Eis: aprenda o português, Brasil.
É a língua que você falava bem – às vezes muito bem – até não muito tempo atrás, antes que você adotasse essa algaravia de gírias de bandidos e de jargões publicitários, despachasse o subjuntivo para o limbo das línguas mortas e decretasse que esse negócio de ortografia, regência verbal, enfim, articulação, coesão e coerência são só estorvos e pedantarias.
E para arrematar: que tal umas operações plásticas?
Dar uma remoçada nessa cara velha que você fica maquiando tão mal para parecer mais bonita, mais moça, mais atual, fingindo não notar que todo o mundo ri de você pelas costas (e às vezes até pela frente)?
Vamos fazer uma lipoaspiração do lixo nas praias e nas ruas das cidades grandes, harmonizar a face dos prédios cheios de pixações, uma rinoplastia na área da segurança pública, aquele lifting esperto no setor de turismo e no agro, que é quem te sustenta de verdade.
Soa bem? Tá disposto, Brasilzão?
Chega da gente…
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