Orlando Tosetto Jr. na Crusoé: A Maria do STF
Ferramenta de inteligência artificial deve aumentar índice de acerto das crases na Corte
A grande novidade deste final de ano, para mim pelo menos, foi saber que o esquadrão de ouro, aqueles 11 que são bons no samba e no couro (especialmente no couro), o STF em suma, anunciou sua própria inteligência artificial, que ganhou o nome, ambíguo cá no meu desentendido entender, de Maria.
Na verdade, Maria não é nome mesmo, é antes sigla ou acrônimo: M. A. R. I. A. (Módulo de Apoio para Redação com Inteligência Artificial). Não sei por que, lembrei na hora de outra sigla ou acrônimo, a U. N. C. L. E., do Agente (não da Abin) 86. Bobagem minha.
Eis o porquê de eu ver ambiguidade no nome: não percebi se batizaram o “módulo” assim para homenagear a Mãe de Jesus ou se para render honras a todas as empregadas domésticas das anedotas cruéis, das novelas e das velhas chanchadas de teatro, cinema e rádio.
A dúvida é legítima porque, convenhamos, não é difícil imaginar um ministro, um assessor ou um analista, em qualquer ocasião em que haja necessidade premente dos serviços do “módulo”, chamando:
— Maria! Ô, Maria!
Seja como for, o fato é que empregada Maria será.
Empregada no sentido de utilizada, claro: no que tange à sua atuação, ela será funcionária pública especializada, e portanto do alto escalão.
Do tipo que, se fosse paga, ganharia um salarião e um bocado de benesses: auxílio moradia, auxílio alimentação, auxílio escolinha de inglês dos filhos, gratificações por acúmulo de cargos e funções, gratificação de Natal, bônus por produtividade, dois recessos ou férias anuais, lugar em jatinho da FAB, veículo oficial, corpo de seguranças armados até os dentes, lagosta e vinhos finos no almoço, essas bossas.
Maria não é Barnabé, não, senhor.
Mas, feliz ou infelizmente, Maria também não é um dom, nem uma certa magia: é um robô, ou um software.
Ou ainda, na descrição do próprio Tribunal, uma ferramenta: uma espécie de alicate, boticão, foice ou até martelo – virtual, veja lá, virtual.
Não terá salário nem lugar no refeitório, e estará de plantão, positiva e operante, na base do 24×7, ao alcance de uns cliques, possivelmente também de login e senha.
E caber-lhe-á (sem mesóclise não se faz juridiquês), ab initio (sem Latim também não), a tarefa de “remodelar a produção de conteúdo” da Corte.
Traduzindo essa frase elegante para a língua do povaréu (a nossa língua, leitor, a língua em que garatujo estas linhas mal traçadas), o serviço dela será resumir votos de ministros, elaborar relatórios processuais e fazer a análise inicial de processos de reclamação.
Obviamente que eu não sou programador, e não trabalho no tribunal, e para falar a verdade sempre tenho me mantido cuidadosamente distante de todos esses troços de inteligência artificial: tenho sempre dado precedência à minha burrice natural.
Mas, pondo aqui para trabalhar a imaginação, orientada pela semântica, exemplifico a seguir, para o mesmo povaréu, as funções da Maria.
Para resumir um de seus votos, um ministro chama a Maria e requer:
— No processo tal, Maria, meu voto é “não”, com fundamento nos artigos X e Y. Desenvolva.
Na hora de elaborar um relatório processual, o escrevente chama a Maria e solicita:
— Ô, Maria, pega aí o processo tal. Tem doze mil páginas. Lê e faz um relatório. Sucinto, pelo amor de Deus.
Já quando for o caso de se analisar inicialmente um processo de reclamação, o analista chamará a Maria e determinará:
— Lê aí a petição, Maria, vê o que os caras estão querendo. Se tiver cabimento, manda pra frente.
Garantem que a Maria tem a manha e a graça, e segura essas ondas todas e outras mais.
Acredito piamente.
No mínimo, o índice de acerto das crases vai aumentar muito, para não falar das melhorias na pontuação e até da resolução feliz de uns casos ortográficos mais espinhosos.
E, de quebra, enquanto a Maria faz tudo isso, a turma e as turmas se concentrarão no que é realmente importante.
Mas essa é a parte que está além da minha imaginação.
Não sei quanto a Maria custou, nem quanto…
Siga a leitura em Crusoé. Assine e apoie o jornalismo independente.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)