O tabu de Lula
Roberto DaMatta, em O Globo, deu a dimensão histórica - antropológica - do julgamento de Lula...
Roberto DaMatta, em O Globo, deu a dimensão histórica – antropológica – do julgamento de Lula.
Leia aqui:
“O julgamento foi extraordinário.
Pela primeira vez no Brasil, vimos desembargadores condenarem em segunda instância um ex-presidente da República. Assistimos a um drama que, depois de inúmeros inquéritos e vergonhosas descobertas de gorjeta, fechava a cortina reafirmando um adormecido poder da lei aplicada a um representante máximo do poder e dos seus sequazes — aqueles que puseram a política a serviço do enriquecimento particular, em vez de se servirem dela para o enriquecimento público.
Na contramão dos axiomas do poder à brasileira, um ex-presidente emblemático da defesa dos oprimidos foi desmascarado e condenado, dissolvendo as ideologias nativas do ‘quanto maior menos cadeia’, do ‘você sabe com quem está falando’ e do pós-moderno populismo, no qual todos ganham, ninguém perde e nós (os donos do poder) ganhamos mais do que todos.
Condenou-se uma figura tabu, tida como intocável. Uma pessoa tão especial e acima da lei que é capaz de suscitar a onipotente, absurda e surreal narrativa de que, sem ela, não haveria democracia no Brasil (…).
Mas como nada se fecha no Brasil, já se projeta uma regra fora da regra: há o condenado, mas não pode haver prisão. Confunde-se desobediência civil com a tentativa de assassinar as mediações que sublimam o confronto aberto sem aviltamento dos envolvidos. É justamente no julgamento, nesse rito final, que se faz justiça não a pessoas, partidos ou facções, mas à sociedade brasileira. Sem ele, não se abre caminho para a democracia. Sua rejeição nos leva diretamente à violência que assassina mediações.
Lula diz ter consciência do que está acontecendo no Brasil. Eu jamais tive dúvidas e sobre isso fiz uma obra demonstrando o óbvio: o nosso problema é assistir como a casa sempre vence a rua, e como relacionamentos pessoais englobam a lei.
Até, quem sabe, esse julgamento.”
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