O patrocínio fumado por ministros do STF
British American Tobacco Brasil, antiga Souza Cruz, estava entre os patrocinadores de evento fechado em Londres do qual participaram Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. A empresa tem interesses em julgamento no STF
Três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) participaram, sem prestar contas, de um evento fechado para a imprensa em Londres na quinta-feira, 25 de abril. Desde então, Alexandre de Moraes, Antonio Dias Toffoli (à esquerda na foto, no painel) e Gilmar Mendes, decano do STF, são cobrados para esclarecer ao menos quem pagou pelos custos da viagem.
Eles ainda não se manifestaram, mas o Grupo Voto, que promoveu o 1º Fórum Jurídico – Brasil de Ideias, informou na terça-feira, 30, após questionamentos da imprensa, que foi “responsável pelo custo operacional“ do evento, sem detalhar quanto exatamente gastou. “Os valores não são de domínio público porque não há verba pública envolvida na realização”, justificou.
“O Grupo Voto, empresa privada, se dá ao direito de manter seus patrocinadores em sigilo em respeito às cláusulas contratuais”, disse o grupo em nota.
British American Tobacco
Nesta quarta-feira, 1º, uma nova informação foi adicionada pelo Estadão a essa história: “A British American Tobacco (BAT) Brasil, antes conhecida como Souza Cruz, foi uma das patrocinadoras do ‘1º Fórum Jurídico: Brasil de Ideias'”.
O jornal destaca ainda que “a multinacional da indústria do tabaco tem pelo menos dois processos na Suprema Corte e é parte interessada em outra ação sob relatoria do ministro Dias Toffolli, que viajou à capital inglesa para participar do evento entre os dias 23 e 26 de abril”.
A presença da BAT entre os patrocinadores reforça as suspeitas de conflito de interesses na participação dos ministros nesse tipo de evento. A empresa e parte da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), que é amicus curiae em ação no STF contra uma resolução de 2012 da Avisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Toffoli
A resolução restringiu o uso de aditivos, como aromatizantes, em produtos de tabaco. O caso, relatado por Toffoli, terá repercussão geral, ou seja, valerá para todos os tribunais quando chegar ao fim. O Estadão chama atenção para o seguinte:
“Em setembro do ano passado, Toffolli atendeu a um pedido feito pela Abifumo para que todas as ações em curso no País relacionadas ao uso de aditivos em produtos de tabaco fossem suspensas até que o STF terminasse de julgar o tema. O ministro argumentou no despacho que a medida ‘impede a multiplicação de decisões divergentes ao apreciar o mesmo assunto, consistindo, por assim dizer, em medida salutar à segurança jurídica’.”
A British American Tobacco está implicada diretamente em outros dois processos no STF: uma ação civil pública do Ministério Público do Trabalho (MPT) contra a realização de “avaliação sensorial” de seus produtos (prova de cigarros por pessoas contratadas), relatada por Kassio Nunes Marques; e um mandado de segurança apresentado pela própria empresa para tentar suspender um decreto do governo do Pará de 2013, que mudou regras de cobrança de imposto, relatado por Luís Roberto Barroso.
Barroso e Nunes Marques não estiveram no evento em Londres, como fez questão de destacar o segundo em nota enviada a O Antagonista sobre evento de que vai participar em Madri entre os dias 6 e 8 de maio — até agora, Nunes Marques foi o único ministro a se explicar desde que o evento em Londres chamou atenção para as viagens ao exterior dos juízes brasileiros.
Conflito de interesses
Para Tânia Cavalcante, ex-secretária executiva da Comissão Nacional de Implementação da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, a participação de três ministros do STF em evento patrocinado pela BAT “é uma situação frontal de conflito de interesses, exatamente porque o modus operandi das empresas de tabaco é fazer lobby e influenciar decisões dos formadores de política“.
“É um jogo que eles fazem no Brasil e em todas as partes do mundo para influenciar as leis que restringem as práticas predatórias dessas empresas. Espera-se de juízes do Supremo Tribunal Federal que mantenham a neutralidade nessas relações com setores que são alvos de julgamentos”, disse ao Estadão.
Cavalcante disse ainda que “não tem razão de um ministro [participar deste tipo de evento], a não ser que ele não soubesse” quem são os patrocinadores. Ela acrescentou que “o ministro deveria se abster, pois é o julgador de um tema tão delicado para a saúde pública, que vem sendo altamente discutindo, e ele sabe como a indústria opera”, completou, acrescentando que os ministros deveriam se informar sobre os patrocinadores, para evitar esse tipo de constrangimento.
Intragável
Diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji destaca o conflito de interesses, em especial para Toffoli: “É grave. Não é o ideal que aconteça esse tipo de coisa na esfera da administração da Justiça (…) Ele [Toffolli] está mais sujeito a crítica e aos próprios mecanismos do direito: seja uma parte ou outros interessados no processo entrarem com pedidos de suspeição ou arguição questionando a imparcialidade do ministro”.
“Isso acaba prejudicando a tomada de uma decisão importante em uma seara que envolve saúde pública. É um problema também de confiança das pessoas nas instituições”, completou.
Intragável.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)