O gol de Bolsonaro retrata a sua situação
O término do auxílio emergencial para 48 milhões de brasileiros, em 31 de dezembro, está sendo naturalmente visto como o início da descida dos atuais patamares de aprovação do presidente Jair Bolsonaro na condução do país e do combate à pandemia. Esse índice, atualmente em torno de 40%, deve despencar nos próximos meses para 30% ou um pouco menos, se nada de extraordinário ocorrer no meio do caminho das nossas vidas...
O término do auxílio emergencial para 48 milhões de brasileiros, em 31 de dezembro, está sendo naturalmente visto como o início da descida dos atuais patamares de aprovação do presidente Jair Bolsonaro na condução do país e do combate à pandemia. Esse índice, atualmente em torno de 40%, deve despencar nos próximos meses para 30% ou um pouco menos, se nada de extraordinário ocorrer no meio do caminho das nossas vidas.
Como é impossível manter o auxílio emergencial, o paliativo seria aumentar o valor do Bolsa Família, hipótese aventada sem nenhuma iniciativa no plano administrativo. Seja como for, o governo está na lona e, como não produz riqueza, mas se apropria de parte dela por meio da arrecadação de impostos, a única saída é a economia voltar a crescer com alguma consistência — o que, no Brasil, geralmente significa sair do péssimo para o ruim. Basta lembrar que, entre os países daquela ficção chamada Brics, inventada pelo Goldman Sachs, o país cresceu apenas 44% desde o ano 2000, contra 425% da China e 230% da Índia. Se a economia retornar aos seus trilhos enferrujados, o governo arrecadará mais e, consequentemente, as esmolas assistencialistas poderão sofrer pequeno incremento de forma pouco menos irresponsável do ponto de vista fiscal. Pouco.
Para que a tão esperada retomada ocorra, é preciso diminuir dramaticamente os atuais níveis de contágio do vírus e das mortes por ele causadas. Essa diminuição só seria verificada se contássemos com um presidente da República que acreditasse em ciência e não tivesse visto no isolamento social uma ameaça pessoal à sua reeleição. Inês é morta e os vermes já devoraram o seu corpo: não houve isolamento social digno deste nome por tempo suficiente em 2020, não haverá em 2021, e chegamos aos quase 200 mil mortos por Covid-19 neste final de ano, entre as sabotagens perpetradas por Jair Bolsonaro e as quarentenas de faz de conta dos governadores.
Restam as vacinas. Mas não há plano nacional de imunização, entregues que estamos a energúmemos, e quando tivermos as vacinas, faltarão agulhas e seringas para que sejam inoculadas de forma rápida e massiva, a julgar pelo noticiário recente. Ou seja, não é improvável que a vacinação comece a criar certa imunidade de rebanho no país somente a partir de meados do ano que vem. Até lá, Jair Bolsonaro continuará a propalar que o melhor imunizante contra a Covid-19 é o próprio vírus que a causa, nas suas tentativas canhestras de esconder a sua própria responsabilidade quanto à tragédia sanitária que experimentamos.
As constatações acima não requerem nenhuma originalidade. Assim como não é preciso ser perspicaz para concluir que o Centrão segurará Bolsonaro no Planalto enquanto ele atender obedientemente às suas necessidades fisiológicas, cujos dejetos são feitos sobre a cabeça da sociedade. Mesmo a tal “frente ampla” desenhada pelos suspeitos de sempre só colocará um pé na canoa do impeachment se o presidente da República deixar de fazer as concessões necessárias ao atendimento dos seus interesses. Na prática, tudo se resume a Centrão versus Centrão.
Como de hábito histórico, o quadro político deixará o seu estado de suspensão degenerada se a realidade econômica agravar-se de tal forma que a popularidade de Bolsonaro caia para menos de 20%, em meio a protestos de rua de uma classe média disposta a ignorar a ameaça do vírus, para além do território dos bares, restaurantes, praias, clubes e parques que frequenta. Vinte por cento com perfil de baixa é a linha em que começam a operar as forças nada ocultas que promovem impeachments. E elas precisam da classe média como auxiliar.
Há ainda a possibilidade de Bolsonaro ver-se implicado em investigações em curso ou futuras. Mas nesse terreno tudo parece dominado, com os tribunais superiores funcionando a seu favor, em lógica semelhante à que ocorre no Legislativo. É muito confortável ter um presidente em dívida impagável — em ambos os sentidos — com a Justiça.
Não se está dizendo, obviamente, que Bolsonaro pode dormir sem a tranquilidade dos soníferos. Ele se mostra cada vez mais irritadiço e à beira de um ataque de nervos. Aquele gol que o deixaram fazer no amistoso beneficente, transmitido pela TV do governo federal, é um bom retrato da sua situação. O presidente marca com o assentimento dos adversários, mas se estatela logo em seguida, para ser reerguido com a ajuda de um monte de gente que veste a mesma camisa ou não. Inexiste, contudo, benemerência no campo da política. Os únicos que ganham são os que jogam, independentemente do lado. Até que menos do que 20% do público continue a aplaudir e mais do que 80% comece a vaiar. Nesse caso, será preciso sacrificar o centroavante, para que tudo se mantenha como sempre foi.
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