O coronel Ustra e o filme que Mourão deveria ver O coronel Ustra e o filme que Mourão deveria ver
O Antagonista

O coronel Ustra e o filme que Mourão deveria ver

avatar
Redação O Antagonista
4 minutos de leitura 09.10.2020 17:09 comentários
Brasil

O coronel Ustra e o filme que Mourão deveria ver

O vice-presidente Hamilton Mourão insiste em elogiar o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado em 2008 por sequestro e tortura cometidos durante o regime militar e morreu morreu de câncer sete anos depois, sem cumprir pena nenhuma. Como publicamos, Mourão disse o seguinte, em entrevista à Deutsche Welle: "O que eu posso dizer sobre o homem Carlos Alberto Brilhante Ustra é que ele foi meu oficial comandante...

avatar
Redação O Antagonista
4 minutos de leitura 09.10.2020 17:09 comentários 0
O coronel Ustra e o filme que Mourão deveria ver
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

O vice-presidente Hamilton Mourão insiste em elogiar o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado em 2008 por sequestro e tortura cometidos durante o regime militar e que morreu de câncer sete anos depois, sem cumprir pena nenhuma. Como publicamos, Mourão disse o seguinte, em entrevista à Deutsche Welle:

“O que eu posso dizer sobre o homem Carlos Alberto Brilhante Ustra é que ele foi meu oficial comandante durante o final dos anos 70 e ele foi um homem de honra que respeitava os direitos humanos de seus subordinados. Então, muitas das coisas que as pessoas falam dele – posso dizer porque tive amizade muito próxima com ele — não são verdade.”

A frase de Mourão me fez lembrar como o ditador italiano Benito Mussolini podia também ser afável. Ele costumava, por exemplo, bater papo com o porteiro do Palazzo Venezia, em Roma, de cujo balcão fazia os seus discursos furibundos para uma multidão delirante. Mussolini descia até a portaria e lá ficava contando e ouvindo casos e piadas. Um homem de honra que respeitava os direitos humanos do porteiro.

Lembrei-me principalmente de um filme a que assisti muitos anos atrás, já não me lembro onde, intitulado As Confissões de Winifred Wagner, do diretor alemão Hans-Juergen Syberberg. Winifred era a viúva de Siegfried, filho de Richard Wagner, o compositor erudito admirado pelo ditador Adolf Hitler e que serviu de trilha sonora ao terror nazista. Lançado em 1975, trata-se de um documentário com cinco horas de duração, durante as quais ela é entrevistada por Syberberg. Foi a primeira entrevista dada por Winifred depois da Segunda Guerra. Na maior parte do tempo, ela permanece enquadrada em close, depondo para uma câmara parada e, vez por outra, estimulada por perguntas breves feitas pela voz em off.  Com riqueza de detalhes, fala sobre a família e a música do sogro, personagens da cultura alemã e a sua amizade com Hitler. Dito assim, parece monótono. Não é, garanto.

Winifred, então com 78 anos, não discorre sobre as atrocidades do ditador nazista ou a elas faz referência específica. O seu Hitler é um ser gentil, patrono das artes, que “tinha aquele perfeito calor e compreensão austríacos” e via no Festival de Bayreuth, organizado por ela, uma merecida celebração da música de Wagner — que, para Hitler, significava a essência de uma nova religião.

No início do filme, você pode achar que se trata de uma cínica. Winifred, contudo, não é uma cínica. Ao longo de 22 anos de amizade com Hitler, ela realmente não enxergou o monstro, mas apenas o homem apaixonado por Wagner e, por extensão, pela sua família. A única vez em que critica Hitler é para dizer que “ele se deixou influenciar muito e sucumbiu a essas demandas radicais. Devia ter resistido”.

Enquanto se ouve Winifred, uma senhora burguesa cheia de reminiscências, o contraste entre o retrato que ela pinta de Hitler e tudo o que ele perpetrou vai se acentuando na mente do espectador — e você começa a entender, chocado diante de constatação terrível, o que é também o horror. O horror é recusar-se a ver, como fizeram os alemães sob Hitler. Mais precisamente, o horror é recortar a realidade em pedaços estanques e ficar com alguns e descartar os outros sem examiná-los, como fez Winifred.

O filme de Syberberg é, para mim, tão assustador quanto os documentários que mostram as imagens dos campos de concentração nazistas, porque disseca o que se operou no íntimo dos cidadãos da Alemanha de Hitler para que o extermínio de milhões de homens, mulheres e crianças fosse levado a cabo.

Eu recomendaria ao vice-presidente Hamilton Mourão assistir a As Confissões de Winifred Wagner. Monstros, não importa a dimensão ou ideologia deles, podem parecer honrados e ser gentis com quem os cerca.

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

A folha, a árvore, a floresta e Jair Bolsonaro

Visualizar notícia
2

PF indicia Bolsonaro e mais 36 por tentativa de golpe de Estado

Visualizar notícia
3

Jaguar se rende à cultura woke e é alvo de críticas

Visualizar notícia
4

Toffoli remói a narrativa dos grampos de Youssef

Visualizar notícia
5

Kassab projeta Tarcísio presidente até 2030

Visualizar notícia
6

Cid implica Braga Netto para salvar delação premiada

Visualizar notícia
7

Moraes mantém delação premiada de Mauro Cid

Visualizar notícia
8

O papel dos indiciados em suposta tentativa de golpe de Estado

Visualizar notícia
9

Putin comenta lançamento de míssil e ameaça o Ocidente

Visualizar notícia
10

Gonet foi contra prisão de Cid após depoimento a Moraes; militar foi liberado

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

Mandado contra Netanyahu não tem base, diz André Lajst

Visualizar notícia
2

Bolsonaro deixou aloprados aloprarem?

Visualizar notícia
3

Trump nomeia ex-procuradora da Flórida após desistência de Gaetz

Visualizar notícia
4

PGR vai denunciar Jair Bolsonaro?

Visualizar notícia
5

Tarcísio defende Bolsonaro contra “narrativa disseminada”

Visualizar notícia
6

Agora vai, Haddad?

Visualizar notícia
7

"Não faz sentido falar em anistia", diz Gilmar

Visualizar notícia
8

A novela do corte de gastos do governo Lula: afinal, sai ou não sai?

Visualizar notícia
9

Líder da Minoria sobre indiciamentos: "Narrativa fantasiosa de golpe"

Visualizar notícia
10

Fernández vai depor na Argentina sobre suposto episódio de violência doméstica

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

Adolf Hitler artigo Carlos Alberto Brilhante Ustra Deutsche Welle Hamilton Mourão Hans-Juergen Syberberg Mario Sabino O Antagonista regime militar Winfried Wagner
< Notícia Anterior

Gilmar manda ação contra Baldy para a Justiça Eleitoral

09.10.2020 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

MDB da Câmara estranha convite de Eduardo Braga a Bolsonaro

09.10.2020 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Redação O Antagonista

Suas redes

Instagram

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Alerta laranja do Inmet para risco de chuvas intensas. Veja as regiões

Alerta laranja do Inmet para risco de chuvas intensas. Veja as regiões

Visualizar notícia
Morre Iolanda Barbosa: Um olhar sobre o Alzheimer

Morre Iolanda Barbosa: Um olhar sobre o Alzheimer

Visualizar notícia
Tarcísio defende Bolsonaro contra “narrativa disseminada”

Tarcísio defende Bolsonaro contra “narrativa disseminada”

Visualizar notícia
Mega-sena acumula e prêmio do próximo sorteio chega a R$ 18 milhões

Mega-sena acumula e prêmio do próximo sorteio chega a R$ 18 milhões

Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.