O Brasil dança ao som do rap da impunidade
A soltura do traficante André do Rap pelo ministro Marco Aurélio do Mello equivale à leitura da lei por um robô que, investido do poder de magistrado, se atém à literalidade do texto, sem levar em conta o histórico do criminoso, a moldura da organização a que ele pertence e a sua capacidade de escafedecer-se, como obviamente ocorreu. Robô dos antigos, porque talvez um mais moderno, programado com algoritmos mais sofisticados, fosse capaz de processar todas as informações sobre o facínora e decidir pela manutenção da sua prisão preventiva...
A soltura do traficante André do Rap pelo ministro Marco Aurélio do Mello equivale à leitura da lei por um robô que, investido do poder de magistrado, se atém à literalidade do texto, sem levar em conta o histórico do criminoso, a moldura da organização a que ele pertence e a sua capacidade de escafedecer-se, como obviamente ocorreu. Robô dos antigos, porque talvez um mais moderno, programado com algoritmos mais sofisticados, fosse capaz de processar todas as informações sobre o facínora e decidir pela manutenção da sua prisão preventiva. Como disse Miguel Reale Jr. à Folha, “Se (Marco Aurélio Mello) não olhou a capa (do processo), não dimensionou as consequências de sua decisão. Ele ficou preso à estrita letra da lei, sem avaliar o mérito efetivo e as consequências desse ato. O juiz tem que ver o conjunto. Acho que esse amor formalista à letra da lei, que desconhece a sociedade e desconhece a capa leva a situações muito injustas.”
Há um agravante nessa história: a prevenção do processo, que corre no âmbito da Operação Oversea, é da ministra Rosa Weber, não de Marco Aurélio Mello, como foi confirmado por Dias Toffoli em 15 de junho deste ano, em decisão obtida por este site. Ou seja, os advogados do André do Rap, um deles ex-assessor de Marco Aurélio Mello, como revelou a Crusoé, deram um drible da vaca no STF — e a vaca agora está no brejo do Paraguai, ao que tudo indica.
A decisão do ministro baseou-se no parágrafo único do artigo 316 do Código do Processo Penal, contrabandeado para dentro do pacote anticrime. A exigência de que a cada noventa dias o juiz, de ofício ou não, tenha que renovar o pedido de prisão preventiva é ignorar a realidade das varas criminais eternamente sobrecarregadas. Criar mais obstáculos para a prisão preventiva não é defender o estado de direito, mas ignorar que processos demoram anos para ser concluídos e, assim, bandidos comprovadamente perigosos podem ficar soltos. Além disso, como me disse Miguel Reale Jr., o absurdo é ainda maior porque o artigo prevê que o orgão emissor peça a renovação — e, no caso de André do Rap, seria o juiz de primeira instância, embora o processo já estivesse com recurso no STJ (instância que, aliás, foi suprimida por Marco Aurélio Mello). Uma legislação feita para confundir. “Se a situação fática do preso, base para a decretação da preventiva, não se alterou, não seria preciso pedir a renovação da justificativa de prisão. André do Rap continuava com condenação em segunda instância por tráfico internacional de drogas e era chefete do PCC”, acrescenta Miguel Reale Jr. Ou seja, se houvesse execução da pena em segunda instância, ele estaria enjaulado como se deve.
Marco Aurélio Mello não levou nada disso em consideração, o que torna tudo mais inacreditável. Agiu como robô desprovido da capacidade de enxergar e analisar o contexto.
André do Rap acabou beneficiado por uma pegadinha pensada para livrar a cara dos corruptos. O pacote anticrime foi desfigurado do Congresso unicamente para atender a essa gente. O parágrafo único do artigo 316 é um aberração aprovada a partir das prisões preventivas decretadas no âmbito da Lava Jato. Ou seja, para evitar que os amigos que roubaram dinheiro público possam permanecer por muito tempo na cadeia. Nessa, soltaram o André do Rap.
O Brasil dança ao som do rap da impunidade.
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