No coração de Ruy Castro
Eu, Mario, conheci Ruy Castro em 1984, quando ele ainda não era escritor de sucesso. Éramos colegas na Ilustrada, da Folha de S. Paulo. Depois que deixei o jornal, só o encontrei uma vez, na ponte aérea, já não me lembro mais se indo para o Rio ou vindo para São Paulo. Faz tempo...
Eu, Mario, conheci Ruy Castro em 1984, quando ele ainda não era escritor de sucesso. Éramos colegas na Ilustrada, da Folha de S. Paulo. Depois que deixei o jornal, só o encontrei uma vez, na ponte aérea, já não me lembro mais se indo para o Rio ou vindo para São Paulo. Faz tempo.
Com Ruy Castro, aprendi uma lição, meio de longe, porque infelizmente nunca fomos amigos: escrever bem requer, não raro, humor. E o humor de Ruy Castro, nos textos e na convivência, podia ir do nível mais sutil ao mais escrachado.
Era (é) um mestre na arte inglesa da self-deprecation. Um dia, ele circulou na redação com uma abobrinha na mão. A quem lhe perguntava o motivo, respondia: “Essa é a diferença entre mim e o Claudio Abramo. Eu sei que escrevo abobrinhas, ao contrário dele, que acha que escreve coisas muito sérias”. A gargalhada era certa.
Hoje, Ruy Castro publicou uma crônica na Folha, intitulada “Não há vagas”, exemplo de como o humor pode ser mais demolidor do que a vetustez. Peço licença ao Otavio Frias Filho para reproduzi-la na íntegra:
“Outro dia, um cartola do PT declarou que Lula ‘mora no coração do povo brasileiro’. Na condição de brasileiro em dia com as obrigações e portador de um coração de dimensões regulares, vi-me tecnicamente apto a hospedar o ex-presidente. Gelei. A ideia de ter meganhas entrando e saindo do meu coração, vasculhando cômodos, armários e debaixo das camas para proteger o chefe, me apavorou.
Além disso, Lula é um hóspede folgado. Apossa-se dos apartamentos e sítios a que o convidam como se fossem dele. Promove reformas como derrubar paredes, mudar escadas de lugar e instalar elevadores internos, vide o famoso tríplex que não lhe pertence no Guarujá -imagine se pertencesse. Com seu à vontade em relação à propriedade alheia, temo que, uma vez hospedado no meu coração, logo iria querer alterar o curso de minhas veias e artérias, como tentou fazer com o rio São Francisco.
E acho que meu coração não comportaria a turma que anda com ele. Lula começaria a receber seus amigos empreiteiros, pecuaristas e doleiros, os quais iriam se meter por meus átrios e ventrículos, e sabe-se lá para onde meu sangue passaria a ser bombeado. Sem falar em sua mulher, dona Marisa – com suas prerrogativas de ex-primeira-dama, mandaria trocar meus velhos fogões por luxuosos micro-ondas e atracaria uma canoa em meu sistema vascular.
Mas isso não acontecerá. Consultei o cardiologista e ele foi taxativo ao se opor a que eu receba Lula em meu coração, mesmo que por poucos dias. Como médico, teve péssima impressão do desempenho de Lula no setor da saúde enquanto presidente. E citou o meu próprio caso.
Nos últimos anos, por certas atribulações cardíacas, quase fui duas vezes para o beleléu. Do qual só me salvei tomando dinheiro emprestado aqui e ali, por ter um plano de quinta e não poder contar com um sistema decente de saúde pública.”
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