Ninguém quer sair da frente do Brasil
Em entrevista ao Estadão, publicada ontem, o governador de São Paulo, João Doria, propôs a criação de uma frente partidária. Ele disse ao jornal exatamente o seguinte: "A frente não deve ser contra Bolsonaro, mas a favor do Brasil. A frente deve reunir o maior número possível de pessoas e pensamentos que estejam dispostos a proteger o Brasil e a população. (Essa frente) Comporta o pensamento liberal de centro, que é o que eu pratico, mas comporta também centro-direita, centro-esquerda, aqueles que têm um pensamento mais à esquerda e à direita...
Em entrevista ao Estadão, publicada ontem, o governador de São Paulo, João Doria, propôs a criação de uma frente partidária. Ele disse ao jornal exatamente o seguinte:
“A frente não deve ser contra Bolsonaro, mas a favor do Brasil. A frente deve reunir o maior número possível de pessoas e pensamentos que estejam dispostos a proteger o Brasil e a população. (Essa frente) Comporta o pensamento liberal de centro, que é o que eu pratico, mas comporta também centro-direita, centro-esquerda, aqueles que têm um pensamento mais à esquerda e à direita. Só não caberá o pensamento dos extremistas, até porque os extremistas não querem compartilhar, discutir. Eles querem impor situações ao País, tanto na extrema-esquerda, quanto na extrema-direita. Destes extremos nós temos que ficar longe.”
No bonde de João Doria, portanto, caberia quase todo mundo — e ele, obviamente, seria o motorista. O governador paulista não consegue esconder de si mesmo, imagine dos outros, que ambiciona ser eleito presidente da República, em 2022.
A frente proposta por João Doria é uma ideia fora do lugar. Frentes ideológico-partidárias amplas só são possíveis — e até recomendáveis — quando se trata de enfrentar ameaças institucionais reais ou restabelecer o regime democrático, como ocorreu em 1984, com o Movimento das Diretas Já. Por mais que Jair Bolsonaro tenha pendores autoritários e os seus miquinhos amestrados sejam estridentes, as instituições nunca estiveram em perigo por causa deles. Pelo contrário, os ruídos emitidos desde o Palácio do Planalto e o seu gabinete do ódio serviram para que os controles sobre o presidente da República fossem reforçados.
A democracia brasileira vem se demonstrando forte o suficiente para aguentar os problemas que verdadeiramente a afetam — o fisiologismo e a corrupção nos três Poderes da República –, sem que a maioria dos cidadãos caia no conto do vigário de que um caudilho será a solução. Se houver caudilho, e esperemos que nunca apareça um na nossa frente, não será certamente Jair Bolsonaro, inclusive porque ele precisa daqueles que, no comando das instituições, podem evitar que o seu filho senador seja condenado por peculato e lavagem de dinheiro.
Não existindo necessidade de frente nenhuma, o que João Doria está propondo no duro? Uma coalizão em torno do seu nome, nada mais do que isso. O governador paulista quer jogar no esquecimento o Bolsodoria de 2018, quando ele aderiu ao discurso direitista apenas para chegar ao Palácio dos Bandeirantes, puxando o tapetinho de Geraldo Alckmin, seu companheiro de partido. O passado é teimoso. As pesquisam mostram que o fato de bater de frente com o presidente da República não tem sido suficiente para baixar a níveis seguros o grau de rejeição ao seu nome por boa parte do eleitorado do estado que comanda, em especial na cidade de São Paulo. Prova disso é o fato de ter-se escondido durante a campanha de Bruno Covas à prefeitura da capital. E com tantos eleitores da sua base torcendo o nariz para ele, fica mais difícil angariar apoios no plano nacional, para lançar-se ao Planalto. A provável vitória de Bruno Covas em São Paulo (poderá ocorrer uma supresa) será por défault. A invenção do governador paulista de “uma frente a favor do Brasil” é, assim, uma tentativa de pegar carona na crescente rejeição a Jair Bolsonaro, a fim de também diminuir a sua própria.
Independentemente das agruras específicas de João Doria, a disputa em 2022 passa por quem será capaz de ser o candidato anti-Bolsonaro na próxima campanha eleitoral. O fenômeno é semelhante ao que ocorreu em 2018, quando o atual presidente da República conseguiu vender-se como o melhor anti-Lula. Neste momento, há muitas pedras no caminho do governador paulista, para além da rejeição em São Paulo. Apenas no que seria o seu campo ideológico, mais ao centro, existem a a pedra Sergio Moro e a pedra Luciano Huck. Pedras cujas conversas recentes viraram notícia, aliás. “Uma frente a favor do Brasil” também é notícia. O jogo passa pela criação de notícias.
Não há nada de ilegítimo na ambição de João Doria, muito menos no seu discurso. Mas é importante que se deixe claro que não é preciso criar frente partidária nenhuma para salvar o país, preservar a democracia e proteger a população. O que salvaria o país e protegeria a população seria uma concertação política e social em prol de reformas e medidas econômicas saneadoras. Mas de nenhum lado há sinal de que isso ocorrerá. Continuaremos a seguir democraticamente para o brejo, com cada um pensando unicamente em estratégias a seu favor. Ninguém quer sair da frente do Brasil.
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