“Mais uma do Ricardo Barros”
Em 2021, o líder de Jair Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros, viu-se no centro de suspeitas de corrupção -- e com a inestimável ajuda do presidente da República. Em meio ao atraso da vacinação contra a Covid, em janeiro, Jair Bolsonaro e seus ministros apresentaram a MP das Vacinas, que buscava facilitar a importação de imunizantes. O texto estabelecia que a Anvisa deveria conceder autorização emergencial às vacinas aprovadas pelas agências reguladoras de Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, Japão e China...
Em 2021, o líder de Jair Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros, viu-se no centro de suspeitas de corrupção — e com a inestimável ajuda do presidente da República.
Em meio ao atraso da vacinação contra a Covid, em janeiro, Jair Bolsonaro e seus ministros apresentaram a MP das Vacinas, que buscava facilitar a importação de imunizantes. O texto estabelecia que a Anvisa deveria conceder autorização emergencial às vacinas aprovadas pelas agências reguladoras de Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, Japão e China.
Ricardo Barros, sempre muito voluntarioso, apresentou uma emenda à proposta, em fevereiro, para incluir a agência da Índia no rol de autoridades sanitárias que serviriam como base para a aprovação de imunizantes pela Anvisa.
“A mudança ao texto] se justifica pelo fato de a Índia ser uma das maiores produtoras de insumos de medicamentos e vacinas no mundo“, afirmou o parlamentar, na justificativa da emenda. Mais tarde, as investigações feitas no âmbito da CPI da Covid sugeriram que o líder do governo tinha outras intenções.
O trecho acrescentado por Barros facilitou as negociações para a compra da vacina Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech. O governo brasileiro assinou o contrato para a compra do imunizante em 25 de fevereiro, com a empresa brasileira Precisa Medicamentos, antes de fechar com a Pfizer e com a Janssen.
Nos meses subsequentes, a CPI da Covid passou a investigar os crimes cometidos pelo Executivo federal durante a pandemia — e os senadores, ao examinarem a recusa inicial do governo em comprar vacinas, passaram a levantar suspeitas sobre o acordo para a compra da Covaxin.
Nesse contexto, O Antagonista revelou com exclusividade, em junho, que o deputado Luis Miranda, juntamente com o seu irmão, funcionário do Ministério da Saúde, alertou Jair Bolsonaro, em março, sobre irregularidades no contrato. Entre elas, a previsão do pagamento adiantado de US$ 45 milhões a uma offshore em Singapura.
Diante da denúncia, Miranda foi convocado para falar à CPI. Em depoimento, ele reiterou as acusações e, depois de ser pressionado pelos senadores, acabou admitindo que Bolsonaro citou Barros ao ser alertado sobre o esquema.
Segundo o deputado, o presidente, assim que tomou conhecimento das irregularidades envolvendo a Covaxin, teria dito: “Mais uma do Ricardo Barros”.
No dia seguinte, em entrevista a O Antagonista, Miranda insinuou que poderia ter gravado a conversa que teve com Bolsonaro em março. A dúvida permanece, apesar das idas e vindas do deputado — e o fato é que, em nenhum momento, o presidente rebateu a história de Miranda ou saiu em defesa do líder de seu governo.
A Crusoé revelou na sequência que Miranda teria recebido ofertas de propina de um lobista para não delatar o esquema. Uma delas teria sido ocorrido à saída de uma reunião com a presença de Barros.
A CPI se aprofundou nas relações entre as empresas envolvidas na compra da Covaxin e o líder do governo. A Precisa Medicamentos é sócia da Global Gestão em Saúde, investigada por contratos firmados com o Ministério da Saúde quando a pasta era comandada por Barros.
Um deles, firmado em 2017, envolvia o pagamento antecipado de R$ 19,9 milhões para a compra de medicamentos que nunca foram entregues. O deputado chegou a ser alvo de uma ação por improbidade pelo caso.
A comissão também apurou a relação de Barros com a Fib Bank, empresa que se passou por banco para oferecer garantia fidejussória para o contrato entre a Precisa e o Ministério da Saúde.
Marcos Tolentino, apontado como sócio oculto da Fib Bank, é amigo pessoal de Barros. O empresário, que também atua no ramo das telecomunicações, já recorreu ao parlamentar para conseguir uma agenda na Secretaria de Radiodifusões do Ministério das Comunicações.
O líder do governo insistiu durante semanas para depor logo, recorrendo ao STF várias vezes. A oitiva, no entanto, ficou para depois do recesso parlamentar. Em 12 de agosto, Barros foi ao Senado para dar o seu show.
O deputado negou qualquer relação com a Precisa Medicamentos, acusou Miranda de fazer “teatro” e provocou a ira dos senadores ao dizer que a CPI estava afastando do Brasil vendedores de imunizantes.
Fuzuê armado, a sessão precisou ser suspensa. A cúpula da comissão pretendia marcar um novo depoimento, mas desistiu da ideia por entender que ele não levaria a lugar nenhum e que as acusações já estavam consolidadas.
Enquanto a CPI e a PF avançavam nas investigações, Barros não deixou de acompanhar Jair Bolsonaro em suas agendas, participando inclusive de motociatas.
Em outubro, o relator da comissão, Renan Calheiros, reservou um capítulo especial de seu parecer final ao líder do governo. Antes mesmo que ele fosse divulgado oficialmente, “vazamentos” (Renan não teve nada a ver com isso, viu?) mostraram que o senador pediria o indiciamento do colega por advocacia administrativa e improbidade.
Sem medo de ser feliz, Barros disse que o PGR, Augusto Aras, iria simplesmente engavetar todo o relatório.
Assim que o documento foi divulgado, o deputado apresentou uma notícia-crime contra Renan por denunciação caluniosa.
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