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Jurisprudência do STF exime Moro em caso de piada com Gilmar

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Felipe Moura Brasil
9 minutos de leitura 04.06.2024 12:44 comentários
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Jurisprudência do STF exime Moro em caso de piada com Gilmar

Com base em decisões anteriores, defesa aponta inépcia da denúncia e falta de imputação precisa, entre outros fatores

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Jurisprudência do STF exime Moro em caso de piada com Gilmar
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reunida pela defesa de Sergio Moro – em manifestação à qual O Antagonista teve acesso – exime o ex-juiz da Lava Jato do crime de calúnia contra o ministro Gilmar Mendes, alegado às pressas, sem qualquer contextualização nem diligência prévia, pela Procuradoria-Geral da República, no caso da piada de “prisão” de festa junina, pautado para julgamento na Primeira Turma do STF nesta terça-feira, 4 de junho de 2024.

Proferida pelo atual senador quando nem sequer havia sido eleito – o que ainda tiraria a competência do Supremo para julgar -, a fala jocosa e genérica sobre uma fiança “para comprar o habeas corpus do Gilmar” na brincadeira da barraquinha de São João foi filmada por outra pessoa durante o evento e depois divulgada por detratores de Moro em rede social, em corte descontextualizado que rendeu uma representação do ministro na PGR em 14 de abril de 2023 e a denúncia do órgão ao STF apenas três dias depois, em 17 de abril do ano passado, com pedido de prisão.

“Inépcia da denúncia”

A defesa de Moro aponta a “inépcia da denúncia”, assinada por Lindôra Araújo, à época número 2 de Augusto Aras.

“Nos termos do artigo 41 do Código de Processo Penal, a denúncia ou queixa deverá expor o fato criminoso a partir de todas as suas circunstâncias, além da identificação das partes, a classificação dos crimes e, quando necessário, o rol de testemunhas.

Isso leva a crer que, na ausência de qualquer um dos requisitos supracitados, a peça vestibular deve ser rejeitada. É a exata inteligência do artigo 395, inciso I, do Código de Processo Penal [‘A denúncia ou queixa será rejeitada quando for manifestamente inepta’.].

A análise da exordial acusatória permite inferir que a d. Procuradora-Geral da República não cumpriu — data venia — com o seu ônus.

Não é possível identificar quando, onde, por que, para quem, sob qual contexto as afirmações supostamente criminosas foram exprimidas pelo ACUSADO.”

Gilmar

O próprio Gilmar, citando também o artigo 41 do CPP, já havia assinado uma decisão neste sentido (INQ 3752/DF), como lembrou o procurador Hélio Telho na ocasião e relembrou o Papo Antagonista na segunda-feira, 3 de junho de 2024, véspera do julgamento.

O ministro escreveu:

“Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito.

Mas há outras implicações!

Quando se fazem imputações vagas, dando ensejo à persecução criminal injusta, está a violar-se o princípio da dignidade da pessoa humana (…).

Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo. Daí, a necessidade de rigor e prudência por parte daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.

Em suma, denúncia imprecisa, genérica e vaga, além de traduzir persecução criminal injusta, é incompatível com o princípio da dignidade humana e com o postulado do direito à defesa e ao contraditório.”

Defesa de Moro

A defesa de Moro, na linha de Gilmar, mas sem citá-lo diretamente, afirma que “o Estado Democrático de Direito não permite acusações levianas e desvirtuadas da realidade fática”.

Aponta também não haver “um elemento probatório sequer que indique autoria por parte do ACUSADO”, considerando que “a denúncia é incapaz de descrever qual teria sido a contribuição do ACUSADO para a gravação, edição e/ou divulgação do vídeo” cortado.

“Isso é sintomático, pois nada que diz respeito ao vídeo que serviu de base à denúncia é de responsabilidade de SERGIO MORO.

Não se buscou investigar quem criou a edição falaciosa dos fatos, nem mesmo de onde partiu a veiculação descabida e tendenciosa da gravação manipulada, o que revela a absoluta inaptidão técnica da denúncia.”

Rosa Weber

A defesa cita decisão de Rosa Weber (INQ 3659) de rejeitar uma queixa por calúnia.

“É inepta a queixa que imputa ao querelado a prática do crime previsto no art. 138 do Código Penal sem narrar o fato com todas as suas circunstâncias”, escreveu a então ministra do STF.

“O crime de calúnia exige, para sua configuração, imputação de fato falso e determinado. Mera alusão ao nomen iuris [‘nome do direito’, expressão utilizada para designar uma denominação técnica] do crime em ofensas pessoais não configura o crime de calúnia se não há imputação de fato circunscrito numa situação específica”, completou Rosa Weber.

Nas palavras da defesa de Moro, “a calúnia exige a imputação precisa, com todas as circunstâncias constitutivas da infração, ou seja: sujeito ativo, passivo, o tempo, o lugar, a qualidade do objeto e o evento ou acontecimento previsto em lei. SERGIO MORO não atribuiu a responsabilidade de um acontecimento concreto e criminoso ao Ministro Gilmar Mendes. O conceito objetivo do tipo
penal resta esvaziado, portanto.”

Cita também um acórdão relatado pelo próprio Gilmar (AP 428), no qual se lê:

“A tipicidade própria à calúnia pressupõe a imputação de fato determinado, revelador de prática criminosa, não a caracterizando palavras genéricas”.

Cita ainda Joaquim Barbosa (INQ 2870):

“A narrativa constante da inicial não tipifica o crime de calúnia, para cuja configuração é necessário que tenha havido imputação concreta e individualizada, ao Querelante, de fato definido como crime.”

Uma citação de Edson Fachin (INQ 3399) vai na mesma linha:

“Os crimes de calúnia e difamação, por suas definições típicas, exigem a imputação de fato determinado a alguém.”

A defesa de Moro argumenta ainda não haver “animus caluniandi”, ou seja, a intenção de caluniar. Menciona doutrina neste sentido:

“Há muito tempo se distingue a intenção de ofender (animus injuriandi) da intenção de brincar, de satirizar (animus jocandi) – distinção que deve ser feita no caso concreto com análise de fatores relevantes como o ambiente da sátira e a sensibilidade social do momento.

A constatação do intuito de criticar (e da função corretiva do riso, como quer Bergson), ainda que por meio da sátira e do deboche, descaracteriza a intenção dolosa de ofender (animus injuriandi) exigível para a configuração do ato ilícito.” [CAPELOTTI, João Paulo. O Humor e os Limites da Liberdade de Expressão: Teoria e Jurisprudência. São Paulo: Editora Dialética, 2022, p. 243-244.]

Nas palavras da defesa de Moro, “o ambiente, as pessoas que lá estavam, a conotação e os próprios dizeres desmentem a versão narrada na denúncia”.

“Tudo não passou de uma brincadeira, tirada de contexto, que de nenhum modo (seja no contexto ou em sua divulgação editada posterior) é ofensiva ou tinha a intenção de macular a honra do Ministro Gilmar Medes.”

Vídeo

A defesa então aponta o vídeo revelado por mim, Felipe Moura Brasil, e juntado em mídia aos autos do processo, mostrando a explicação dada a Moro e sua esposa, Rosângela, sobre o mecanismo da brincadeira de “prisão”, que envolvia pagamentos para prender e libertar.

“Isso restou absolutamente claro em um outro vídeo, certamente não anexado à denúncia, que foi gravado no mesmo dia e contexto. Ali toda a estória é clareada. A ‘festa junina’, o caráter amistoso da confraternização e o ‘tom’ das falas proferidas por SERGIO MORO, todas comprovam a inexistência de crime”.

A defesa lembra ainda o esclarecimento feito pelo atual senador a partir deste último vídeo e entende que ele “constitui pública e imediata retratação, nos termos do artigo 143 do Código Penal”, segundo o qual “o querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena”.

Eis a nota de Moro na ocasião.

“A recente postagem do Felipe Moura Brasil esclarece tudo. Brincava-se sobre ‘cadeia’ em festa junina na qual paga-se uma prenda para sair (atenção: não é crime pagar ou receber nesse caso). A não ser que a PGR queira dizer que acusei o Min. Gilmar de ‘vender’ ‘habeas corpus’ contra ‘prisão’ de festa junina, penso que a denúncia é absurda. PS.: não estou reiterando calúnia ou injúria, apenas explicando. Tenho divergências sérias com o Min. Gilmar Mendes, mas nunca o acusei de crimes. O culpado pela ofensa ao Min. Gilmar é quem na sexta-feira editou e divulgou trechos do vídeo com malícia. Eu, da minha parte, nunca tive o vídeo. Acho estranha e repudio a denúncia relâmpago. Se a PGR tivesse me ouvido antes, explicaria tudo. O vídeo com o contexto você pode assistir diretamente no post do Felipe Moura Brasil. Se eu postar, do jeito que as coisas andam, é capaz de me prenderem. No Senado, continuarei a lutar pela Justiça e pela liberdade, para mim e para você.”

A defesa de Moro, em manifestação complementar apresentada à relatora Cármen Lúcia, identificou com prints o divulgador do corte descontextualizado da piada e mais dois de seus propagadores, pedindo investigação.

“Observa-se nitidamente que os três perfis possuem inclinação política absolutamente diversa daquela defendida e acreditada pelo ACUSADO, o que comprova toda a verdade estampada na resposta à denúncia.”

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