Jerônimo Teixeira na Crusoé: Minha lista de livros para todos os anos
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Jerônimo Teixeira na Crusoé: Minha lista de livros para todos os anos

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Redação O Antagonista
7 minutos de leitura 29.12.2024 09:04 comentários
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Jerônimo Teixeira na Crusoé: Minha lista de livros para todos os anos

Uma seleção muito pessoal de quatro obras do passado que ainda podem nos orientar em crises do futuro

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Jerônimo Teixeira na Crusoé: Minha lista de livros para todos os anos
Estátua de Carlos Drummond em Copacabana. Foto: Wikimedia Commons

ltimos dias de 2024. Tempo de revisões e retrospectivas. Tempo de listas: dos mortos, dos grandes eventos, dos maiores crimes e dos melhores filmes.

Quando eu era editor de cultura, costumava fazer a lista dos melhores livros do ano.

Hoje ando meio por fora dos lançamentos.

Decidi fazer outro tipo de lista: uma seleção assumidamente idiossincrática, só com obras que já andam por aí há bem mais de 365 dias (a mais mais recente tem 24 anos).

A lista é curta: quatro livros. De uma maneira muito particular, cada uma deles me orienta em dias de crise – que são, afinal, todos os dias.

Espero que possam fazer o mesmo por você, leitor, no próximo e em todos os anos.

O Agente Secreto, de Joseph Conrad

Um ataque malogrado ao observatório de Greenwich acaba com a morte de um dos terroristas, destroçado pela explosão acidental da bomba que carregava.

Este é o evento central de O Agente Secreto, romance do polonês-britânico Joseph Conrad.

Tem lá suas semelhanças com o patético atentado ao STF cometido por Francisco Wanderley Luiz, em novembro.

Conrad inspirou-se no Wanderley Luiz de seu tempo: Martial Bourdin, um anarquista francês que morreu em 1894, ao tentar explodir o observatório de Greenwich.

A partir desse caso real, o romancista concebeu o que talvez seja o primeiro thriller político da história.

Pelas páginas de O Agente Secreto, desfilam revolucionários, anarquistas, niilistas e outros radicais. Entre eles, infiltra-se Verloc, o agente secreto do título. A serviço da embaixada de um país não nomeado (Rússia, presume-se), ele planeja o atentado a Greenwich.

O Agente Secreto é um acurado estudo moral e psicológico da mentalidade radical que ainda infesta a política hoje.

Também é um mergulho na vida urbana de Londres no final do século 19 (o romance foi publicado em 1907, mas a história se desenrola ao tempo do atentado real).

O livro apresenta ainda um grande personagem feminino, coisa rara na obra de Conrad, um ex-marinheiro que dedicou a maior parte de sua obra às confrarias masculinas dos navios mercantes.

Winnie Verloc, esposa do agente terrorista, é um modelo de abnegação e conformismo, até se tornar a vítima inocente das atividades do marido.

A Marca Humana, de Philip Roth

Anoto e sublinho todos os meus livros, com uma lapiseira 0,5 (só bárbaros marcam livros com caneta).

Revisando agora meu surrado exemplar de The Human Stain, descubro, surpreso, que não sublinhei “the ecstasy of sanctimony” (o êxtase da santimônia).

A expressão talvez não tenha me impressionado na primeira vez que a li, lá no início do século (o romance é de 2000). Desde então, porém, já a empreguei em vários textos.

Em quatro palavras, Philip Roth sintetizou e antecipou o espírito político do século. O “êxtase da santimônia” é o motor dos guerreiros culturais e dos militantes de rede social, dos exaltados e dos ofendidos.

Nas primeiras páginas de A Marca Humana, o escritor Nathan Zuckerman – alter ego do escritor americano, que aparece em nove de suas obras – fala no “êxtase da santimônia” para criticar a reação estridente dos conservadores ao caso do presidente Bill Clinton com a estagiária Monica Lewinsky, em 1998.

Ao longo do livro, porém, o “êxtase da santimônia” desponta em outro campo político: o progressismo acadêmico.

Zuckerman narra a história de um professor de literatura, Coleman Silk, que perde sua cátedra por causa de uma acusação fajuta de racismo.

Há uma virada na história de Silk, que não vou entregar aqui. Quem ainda não leu A Marca Humana pode não gostar do spoiler.

Basta dizer que Philip Roth leva a extremos o choque entre a identidade pessoal que seu personagem deseja construir e a identidade ancestral que herdou de sua família, cultura e etnia.

Poesia 1930-62, de Carlos Drummond de Andrade

Foi um das melhores publicações da extinta Cosac Naify: a edição crítica dos primeiros dez livros de poemas de Drummond, da estreia com Alguma Poesia, em 1930, a Lição de Coisas, de 1962.

Trabalho cuidadoso do crítico Júlio Castañon Guimarães, o livro foi lançado em 2012, nos 110 anos do nascimento do poeta de Itabira.

Por acaso, os dez títulos reunidos no livrão são aqueles com que eu havia trabalhado em minha dissertação de mestrado em Letras, Drummond Cordial.

Da redescoberta modernista do Brasil – que em Drummond foi melancólica e um tanto reticente, como se lê em Também já fui brasileiro – ao engajamento político e deste a um desencantado retorno a formas poéticas mais tradicionais, Drummond cumpriu um ciclo poético que refletiu os conflitos e dilemas de sua época.

Muitos versos seus entraram para o repertório até de quem não lê poesia. É o caso do indefectível “No meio do caminho tinha uma pedra”.

Ou da um tanto menos conhecida abertura do poema Nosso Tempo:

“Este é tempo de partido,

de homens partidos”.

Compostos em meados dos anos 1940, com a Segunda Guerra em curso, esses versos ainda ressoam no que hoje chamamos de “polarização“.

Clichês à parte, na ampla obra de Drummond, cada um pode buscar seu repertório particular de versos, estrofes, poemas.

Três amostras da minha coleção particular: “Silencioso cubo de treva”; “Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase”; “Teu aniversário, no escuro, / não se comemora”.

O leitor terá outros versos que ressoam em sua sensibilidade. Se não os tiver, ainda poderá encontrá-los.

Obra esgotada, Poesia 1930-62 pode ser encontrada em sebos. Pelo que vi, não custa menos de 600 reais. As edições avulsas saem mais em conta.

O Sonho de um Homem Ridículo, de Fiódor Dostoiévski

Para mim tudo era indiferente”, diz o protagonista e narrador dessa novela curta publicada em 1877. A indiferença quase o leva ao suicídio.

Em uma noite fria, saindo de uma reunião na casa de conhecidos, ele é abordado por uma menina que lhe pede socorro: ao que parece, sua mãe está morrendo.

Ele enxota a menina, mas sai abalado do encontro.

No quarto de pensão em que mora, contempla a arma com que pretende dar fim à vida, mas acaba adormecendo na poltrona.

Em seus sonhos, ele é transportado a “uma terra não profanada pelo pecado original”, onde vivem pessoas amorosas e solidárias. Embora o sonho não acabe bem, o sonhador acorda decidido a pregar a ideia de uma humanidade mais pura e generosa.

Dentro da caudalosa e tempestuosa obra de Dostoiévski, O Sonho de um Homem Ridículo quase desaparece.

Carece de músculos para se bater com Crime e Castigo ou Os Irmãos Karamázov, e perde até no embate com outras obras curtas, como Memórias do subsolo.

Ainda assim, eu a incluí nesta lista por sua modesta mas bela nota de otimismo, condizente com as festas e resoluções de fim de ano.

Na transformação do personagem…

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