As vacinas não sumiram e governadores críticos a Bolsonaro estão vacinando mais que os fiéis
O ministro Fábio Faria lidera um esforço de propaganda para emplacar a narrativa de que estados e municípios não estão aplicando todas as vacinas distribuídas pelo Ministério da Saúde. Além de ocultar informações fundamentais, como armazenamento da segunda dose e demora para registro da vacinação em municípios que não usam sistema eletrônico, Faria esconde que governadores bolsonaristas estão vacinando menos que os de oposição...
O ministro Fábio Faria lidera um esforço de propaganda para emplacar a narrativa de que estados e municípios não estão aplicando todas as vacinas distribuídas pelo Ministério da Saúde.
Além de ocultar informações fundamentais, como armazenamento da segunda dose e demora para registro da vacinação em municípios que não usam sistema eletrônico, Faria esconde que governadores bolsonaristas estão vacinando menos que os de oposição.
Em 24 de março, em coletiva de imprensa ao lado de Marcelo Queiroga, Faria levantou a primeira suspeita infundada, ao sugerir a criação de um ‘consórcio’ de imprensa “para que a gente possa contar o número de vacinados nos Estados e nas cidades”.
O ministro ignorou que o consórcio de imprensa já faz essa contagem – e também o próprio Painel Brasil Imunizado, o ‘vacinômetro’ do Ministério da Saúde. Na tarde desta segunda (5), o painel registrava mais de 21,6 milhões de doses aplicadas.
Depois, Faria alegou que, na verdade, teria sugerido um consórcio “para comparar doses recebidas por governadores com a vacinação diária”. O que o Ministério da Saúde também já faz (veja tabela abaixo).
Nos últimos dias, o ministro da Propaganda passou a publicar gráficos no Twitter que destacam a diferença entre as doses distribuídas pelo governo federal aos estados e as doses aplicadas, em linha com declarações do próprio Bolsonaro colocando em dúvida o destino dos imunizantes.
O ministro não conta que o aproveitamento das vacinas é melhor em estados governados por adversários do presidente.
No mapa da vacinação elaborado pelo G1, com dados atualizados até a noite de sábado (3), o ranking era liderado por Mato Grosso do Sul (11,9%), Bahia (11,3%), Amazonas (10,4%), Paraíba (10,37%), São Paulo (10,35%) e Rio Grande do Sul (10,2%). Os percentuais são da fração da população que já havia recebido pelo menos a 1ª dose.
Reinaldo Azambuja (PSDB), governador do Mato Grosso do Sul, foi aliado de Bolsonaro em 2018, mas tem mostrado afastamento do presidente. Em março, desmentiu Bolsonaro sobre os repasses da União aos estados, e aderiu ao pacto de governadores críticos à condução da pandemia.
O governador da Bahia, Rui Costa, é do PT. O do Amazonas, Wilson Lima (PSC), se distanciou de Bolsonaro depois da crise de falta de oxigênio no estado. O governador da Paraíba, João Azevêdo, foi eleito pelo PSB e migrou para o Cidadania. E os tucanos João Doria e Eduardo Leite, que apoiaram Bolsonaro em 2018, também já não são mais aliados do presidente.
Governadores próximos ao presidente, por outro lado, estão com desempenho pior.
O Rio de Janeiro de Cláudio Castro havia vacinado apenas 7,5% da população até sábado, mesmo sendo sede da Fiocruz e do Aeroporto Tom Jobim, onde já pousaram vacinas e insumos. Minas Gerais, de Romeu Zema, estava com desempenho semelhante, 7,6%. Goiás, de Ronaldo Caiado, aparecia com 6,8%, mesmo percentual de Roraima, estado de Antonio Denarium. Só o Paraná de Ratinho Junior estava um pouco melhor: quase 10%.
O diretor-presidente da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, Cristiano Fernandes, disse hoje a O Antagonista que os dados no estado podem ter atrasos de 10 a 20 dias, já que indígenas e ribeirinhos são vacinados em lugares distantes, acessíveis apenas de barco, e sem sinal de telefone. Portanto, muitas doses já aplicadas não aparecem ainda nos dados.
Fernandes acrescentou que os municípios adotam estratégias de acordo com suas necessidades. Por exemplo, aplicar vacinas da AstraZeneca, que têm intervalo maior entre as doses, nas comunidades mais distantes, onde demora e custa mais para chegar.
“A gente tem que pensar numa comunicação que estimule a população a buscar a vacina”, disse Fernandes. “Quanto maior for o número de doses oferecidas por estado, maior a rapidez da cobertura vacinal”. Para ele, o governo federal poderia ter oferecido vacinas bem antes aos estados, mas fez a opção de não aderir à vacinação em um primeiro momento.
A Secretaria da Saúde da Bahia informou que “[a] diferença entre doses distribuídas e aplicadas deve-se ao simples fato que até a sétima entrega realizada pelo Ministério da Saúde, se fazia necessário reter 50% do carregamento a fim de garantir a imunização completa com a segunda dose. Por determinação do Ministério da Saúde, as quatro últimas remessas foram integralmente distribuídas sem que existisse a retenção habitual. Na prática, isso significa que o Ministério da Saúde tem a obrigação de garantir a segunda dose em tempo hábil, sob risco de reduzir ou anular o efeito da primeira dose e ter que imunizar novamente o mesmo público”.
A secretaria informou também ter aprovado uma regra: “[R]essuprimento das vacinas ocorreria somente para as localidades que tivessem consumido o mínimo de 85% das doses entregues. Isto foi fundamental para estimular os gestores municipais a vacinarem rapidamente, tendo em vista o receio de ficarem sem acesso às doses das novas remessas”.
Até 31 de março, acrescentou a secretaria, a Bahia tinha aplicado 80,4% das doses recebidas do governo federal.
A Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo afirmou que “[o] Ministro das Comunicações propaga mentiras e desinforma a população”.
“Se o Ministério da Saúde tivesse adquirido as 130 milhões de doses das vacinas no momento certo, os brasileiros teriam à sua disposição, desde o último trimestre de 2020, um montante de doses de vacina suficiente para vacinar toda a população acima de 60 anos no país. Desta forma, certamente a segunda onda não nos atingiria como atingiu e milhares de vidas teriam sido salvas. Mas como foram negligentes com a saúde do povo brasileiro, propagam mentiras e inverdades no intuito de enganar a sociedade”, disse a secretaria paulista, em nota.
O Conass e o Conasems reiteraram nota publicada sobre o assunto na semana passada. Os dados são de 31 de março, dia de publicação da nota:
“O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) esclarecem não haver atraso na distribuição ou aplicação da vacina contra Covid-19 por parte dos Estados e municípios. O Ministério da Saúde enviou até o momento para Estados 34.988.426 doses. Deste total, foram encaminhadas para municípios 31.215.710. Os 3,7 milhões restantes permanecem em estoques estaduais para aplicação da segunda dose. Essa estratégia segue a pactuação feita entre Estados, Municípios e Ministério da Saúde e visa garantir segurança para conclusão do esquema vacinal em duas doses.
Conass e Conasems informam ainda que, em virtude de problemas no Sistema de Informação do PNI que persistem até o momento, há dificuldade para inclusão de informações sobre doses aplicadas. Em municípios onde a conectividade é mais lenta, parte dos registros é feita de forma manual para posterior inclusão no sistema nacional”.
O ministro também não conta aos seus seguidores no Twitter que mais de 80% das doses aplicadas no Brasil até hoje são da Coronavac e ainda tentou federalizar o Butantan. Neste sábado (3), foi ao Twitter alegar que “[q]uase 100% da produção do Butantan é adquirida pelo gov. federal, que tem parceria centenária com o instituto. Não são parte de governos estaduais, são patrimônios nacionais!”.
O Butantan é vinculado à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
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