Eduardo Pazuello, o gado de piranha
Em 2021, o general Eduardo Pazuello, soldado de Jair Bolsonaro, continuou seu trabalho no Ministério da Saúde sob o lema "um manda, outro obedece". Em janeiro, depois de tentar descredibilizar as vacinas contra a Covid durante um ano, o governo finalmente assinou o contrato com o Instituto Butantan para a aquisição de 100 milhões de doses da Coronavac. Um protocolo de intenção de compra havia sido firmado no ano anterior, mas Jair Bolsonaro determinara a suspensão. Pazuello atuou como pode para atender à obsessão do presidente de "derrotar" João Doria na disputa por quem aplicaria a primeira dose de vacina contra a Covid no Brasil...
Em 2021, o general Eduardo Pazuello, soldado de Jair Bolsonaro, continuou seu trabalho no Ministério da Saúde sob o lema “um manda, outro obedece”.
Em janeiro, depois de tentar descredibilizar as vacinas contra a Covid durante um ano, o governo finalmente assinou o contrato com o Instituto Butantan para a aquisição de 100 milhões de doses da Coronavac. Um protocolo de intenção de compra havia sido firmado no ano anterior, mas Jair Bolsonaro determinara a suspensão.
Pazuello atuou como pode para atender à obsessão do presidente de “derrotar” João Doria na disputa por quem aplicaria a primeira dose de vacina contra a Covid no Brasil.
O governo federal pretendia trazer doses do imunizante indiano Covishield antes que Doria começasse a aplicar a Coronavac. O Ministério da Saúde adesivou um avião para buscar as vacinas. A ação de marketing irritou o governo indiano, que queria discrição.
Uma série de trapalhadas diplomáticas encabeçadas por Ernesto Araújo atrasou o envio das doses, e Jair Bolsonaro e Pazuello tiveram que assistir a Doria aplicando a primeira dose de uma vacina contra a Covid no país, em 17 de janeiro, logo após a aprovação da Coronovac pela Anvisa.
Enquanto isso, o número de novos casos e mortes por Covid aumentavam diariamente. A cidade de Manaus viveu um colapso em seu sistema de saúde, com a falta de oxigênio nos hospitais. Dezenas de pacientes morreram asfixiados. O governo decidiu não determinar uma intervenção federal na saúde do estado.
Documentos obtidos por O Antagonista indicam que Pazuello foi informado sobre o risco em Manaus em 8 de janeiro. No entanto, tentando se eximir de qualquer responsabilidade, o general mudou sua versão sobre o caso algumas vezes. Em cada uma delas, ele dizia que havia sido informado em uma data diferente.
Pouco antes do colapso, o Ministério da Saúde apostou no aplicativo TrateCov, que recomendava a prescrição de medicamentos como cloroquina, ineficazes no tratamento da Covid, até para bebês. O Amazonas foi escolhido para ser o estado piloto no uso da ferramenta. Pazuello participou da cerimônia de lançamento.
A pedido da PGR, o ministro do STF Ricardo Lewandowski autorizou, no fim de janeiro, a abertura de um inquérito sobre a possível responsabilidade do então ministro pelo colapso em Manaus.
Em março, diante da pressão sobre o governo por causa das mais de 280 mil mortes e pela falta de vacinas, Jair Bolsonaro decidiu sacrificar Pazuello, que deixou o Ministério da Saúde após quase 11 meses.
Por alguns dias, Pazuello continuou no cargo mesmo após seu substituto, Marcelo Queiroga, ser anunciado. Os dois falavam em nome da pasta. Na prática, eram dois ministros da Saúde que valiam por nenhum.
Depois de passar cerca de um mês na 12ª Região Militar, no Amazonas, o general ganhou um cargo em Brasília, na Secretaria-Geral do Exército.
Em abril, Pazuello foi um dos primeiros convocados para depor à CPI da Covid.
Às vésperas da data marcada, o ex-ministro foi flagrado passeando sem máscara em um shopping de Manaus. Alertado por uma vendedora sobre a necessidade de usar o equipamento, ele ironizou: “Pois é. Tem de comprar, né? Sabe onde tem pra vender?”
Quando chegou o dia do depoimento, ele alegou que dois assessores com quem tinha tido contato testaram positivo para a doença e não compareceu, ganhando tempo.
Enquanto aguardava pela nova data, o ministro participou de sessões de media training para se preparar para as perguntas dos senadores.
Após duas semanas de espera, Pazuello compareceu à comissão. Ele se contradisse em diversas oportunidades e tentou defender Jair Bolsonaro a todo custo. O ex-ministro negou que tenha sido pressionado a defender o uso de cloroquina, negou que o governo tenha sido responsável pelo colapso da saúde em Manaus e negou que as ofertas da Pfizer tenham sido ignoradas.
Segundo o relator da comissão, Renan Calheiros, Pazuello protagonizou a “negação do negacionismo”. O ex-ministro “mentiu até passar mal” e precisou ser atendido pela equipe médica do Senado. No dia seguinte, o depoimento foi retomado, e Pazuello reiterou suas mentiras.
Para os senadores, o ex-ministro mentiu pelo menos 14 vezes durante na comissão.
Por algum motivo insondável, os bolsonaristas consideraram que Pazuello foi bem em seu depoimento. Dias depois da ida do ex-ministro à comissão, ele participou de uma motociata com Jair Bolsonaro, em uma espécie de comemoração por seu desempenho. O general subiu no carro de som e discursou ao lado do presidente.
O episódio gerou revolta entre integrantes das Forças Armadas, por ferir o regulamento que rege os militares da ativa, que não podem participar de manifestações políticas, mas o Alto Comando do Exército decidiu não punir Pazuello.
Em junho, o deputado Luis Miranda, que denunciou o escândalo da Covaxin, afirmou que Pazuello disse ter sido pressionado por parlamentares para liberar “pixulé”, propina, no fim de 2020.
Uma reportagem da Folha revelou, em julho, que o ex-ministro da Saúde prometeu a um grupo de intermediadores comprar 30 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac. Segundo o jornal, os imunizantes eram oferecidos pelo triplo do preço do oferecido pelo Instituto Butantan, que não trabalha com intermediários.
Em outubro, Pazuello ganhou novo cargo. Ele foi transferido para a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência.
Durante o ano, o general passou a ser cotado para disputar algum cargo nas eleições de 2022. Ele foi cogitado pelos bolsonaristas como uma alternativa para o Senado ou para o governo do Amazonas, assim como para o do Rio de Janeiro.
No relatório final da CPI da Covid, Renan Calheiros pediu o indiciamento do ex-ministro da Saúde por homicídio qualificado, epidemia, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, comunicação falsa de crime e crime contra a humanidade. É um bom candidato bolsonarista.
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