“É inaceitável que magistrado ou membro do MP ostente vida de empresário”, diz ex-AGU
Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madri, o ex-AGU Fábio Medina Osório escreveu um artigo exclusivo para O Antagonista. Ele aborda o cenário de "intensa troca de críticas entre membros do Judiciário e do Ministério Público envolvendo os rumos da Operação Lava Jato", assim como os "pedidos de impeachment" contra alguns ministros do Supremo que acreditam ser inimputáveis...
Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madri, o ex-AGU Fábio Medina Osório escreveu um artigo exclusivo para O Antagonista.
Ele aborda o cenário de “intensa troca de críticas entre membros do Judiciário e do Ministério Público envolvendo os rumos da Operação Lava Jato”, assim como os “pedidos de impeachment” contra alguns ministros do Supremo que acreditam ser inimputáveis.
Leiam a íntegra:
Discute-se, no Congresso Nacional, a perspectiva de averiguar atos de membros do Judiciário brasileiro. Ao mesmo tempo, há pedidos de impeachment contra membros da magistratura nacional perante o Senado, que lá tramitam. E, ainda, discute-se a possibilidade do aperfeiçoamento da legislação em torno ao princípio da responsabilidade de membros da magistratura e Ministério Público por atos enquadráveis na ampla categoria do abuso de autoridade.
No mesmo cenário, há intensa troca de críticas entre membros do Judiciário e do Ministério Público envolvendo os rumos da operação “lava jato”, culminando em apurações sobre supostos ilícitos contra a honra de agentes públicos. Eis o contexto para uma discussão sobre a responsabilidade das instituições fiscalizadoras no Brasil.
Nenhum Poder paira acima dos órgãos de controle da República. Se existem indícios de membros do Judiciário ou do Ministério Público com práticas indevidas, seja na esfera do abuso de poder ou de autoridade, seja no âmbito do enriquecimento ilícito, ou do protagonismo indevido no campo eleitoral, tais condutas devem ser apuradas. Inviável que órgãos fiscalizadores usem de suas prerrogativas para alavancar candidaturas eleitorais ou benefícios políticos, evidentemente, assim como impossível tolerar crimes contra a honra de quem quer que seja. Eventual debate entre agentes públicos, em juízo, nas mídias sociais, ou em qualquer esfera, deve pautar-se pelos deveres de urbanidade, lealdade institucional, e respeito à honra.
E também inaceitável que agentes públicos desprezem legislação de regência e administrem pessoas jurídicas, auferindo lucros incompatíveis com o estatuto de suas profissões, tópico que pode suscitar um olhar sobre magistrados ou membros do Ministério Público que ostentam vida de empresários. Todo o universo do conflito de interesses é de ser cobrado dos membros das carreiras do Ministério Público, magistratura e advocacias públicas. Nada mais natural que a sociedade queira maior transparência de todos os Poderes da República, nos tempos atuais.
É certo, nesse contexto, que também maior responsabilidade se deve exigir dos fiscalizadores quanto às ações desencadeadas em juízo ou fora dele, no tocante às pessoas físicas ou jurídicas. E as regras de impedimento e suspeição devem valer para todos os agentes públicos, de qualquer escalão. O esvaziamento das regras atinentes a conflitos de interesses deteriora o princípio da imparcialidade e a independência que se deveria exigir dos membros da magistratura e do Ministério Público. O parâmetro comportamental dos Ministros do STF, como paradigma das demais carreiras, é consequência do sistema piramidal que construímos.
Um tema que deve suscitar maior responsabilidade dos agentes do Estado, no atual momento histórico, é o das colaborações premiadas. Vale lembrar que um investigado, quando deduz uma imputação contra alguém, formalizando-a através dos respectivos “anexos”, não raro juntamente com sua confissão, deveria trazer sólidos indicativos de corroboração para respaldar suas assertivas. Esse jogo das delações, no mercado do escândalo, abre precedentes perigosos para manipulações temerárias em outros terrenos, inclusive eleitorais e empresariais, se não houver um filtro adequado em torno à idoneidade das colaborações premiadas e responsabilidade dos órgãos de controle.
Noutras palavras, é imperioso averiguar se existe, de fato, um descontrole sobre as investigações nas instituições fiscalizadoras no Brasil, ou se há critérios racionais, lógicos, legais, e de unidade institucional, que norteiam as colaborações premiadas e os atos investigatórios em curso. Nos últimos tempos, emergem algumas confissões que, de modo ostensivo, já revelam não possuir provas do quanto alegam, mas proporcionam nítido espetáculo político e midiático, com potenciais prejuízos no mundo empresarial.
Nesse ritmo, o que impede alguém de resolver delatar as próprias autoridades que colhem as delações? Não seria interessante ter limites éticos mínimos para os contatos entre membros do Ministério Público ou polícias e investigados, através de filmagens das negociações? Creio que esse aperfeiçoamento será imprescindível às instituições, no atual estágio de maturidade.
A temática da responsabilidade dos membros das instituições fiscalizadoras envolve o princípio republicano e é extremamente oportuna em termos de aperfeiçoamento do sistema normativo brasileiro. A impunidade historicamente reinante no país sempre alcançou integrantes das instituições fiscalizadoras, não há dúvida. Aquele que fiscaliza tem maiores imunidades perante a fiscalização. É hora de mudar também esse paradigma.
Fábio Medina Osório
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