Delegado explica que “não havia condições logísticas e policiais suficientes” para conduzir Lula ao enterro de Vavá
O delegado Luciano Flores de Lima, superintendente da Polícia Federal no Paraná, explicou na entrevista coletiva sobre a 59ª fase da Lava Jato a manifestação da PF contra a ida do presidiário Lula ao enterro de seu irmão mais velho, Vavá. O Antagonista transcreve e reproduz a íntegra da explicação: “Apesar de não ser o objeto da coletiva de hoje, mas dadas a grande repercussão que teve e a ausência de manifestação anterior, vou responder...
O delegado Luciano Flores de Lima, superintendente da Polícia Federal no Paraná, explicou na entrevista coletiva sobre a 59ª fase da Lava Jato a manifestação da PF contra a ida do presidiário Lula ao enterro de seu irmão mais velho, Vavá.
O Antagonista transcreve e reproduz a íntegra da explicação:
“Apesar de não ser o objeto da coletiva de hoje, mas dadas a grande repercussão que teve e a ausência de manifestação anterior, vou responder com relação à logística que estávamos preparando para a efetiva condução do ex-presidente Lula para os atos fúnebres de seu parente na data de ontem, com o fim de cumprir a decisão do STF.
A logística, a partir do momento da decisão, estava sendo buscada, já que as nossas aeronaves não estavam aqui – aliás, elas não ficam aqui no Paraná, é necessário trazer de outro estado. Então, a partir do momento em que é dado à PF um dever de que ela faça uma transferência interestadual de um preso, seja ele quem for, isto tem que ser feito obedecendo regras de segurança não só de condução de um custodiado, como também de segurança da aviação.
Imagine vocês se nós usássemos, por exemplo, uma aeronave particular, emprestada por alguém que a gente não sabe quem, conduzida por um piloto que a gente não sabe quem, não sabe o que está passando na cabeça desse piloto, por exemplo, que vai conduzir um ex-presidente da República com policiais federais armados, para onde? Quem garante que ele vá para o destino que ele deveria ir?
Então, se problemas ocorrem na aviação comercial, ou em qualquer esfera de aviação, nós temos que ter responsabilidade e fazer uma condução que envolve a transferência de um preso entre um estado e outro – nós não estamos falando de distâncias pequenas: seria como a distância entre um país e outro da Europa, por exemplo, ou entre um país e outro da América do Sul mesmo, o Brasil é muito grande –, então envolve o deslocamento entre cidades grandes, entre Curitiba e São Paulo, aliás entre a cidade de São Paulo e uma outra cidade [São Bernardo do Campo] da grande São Paulo.
E aí nos vem a experiência de momentos como esse, como foi em abril do ano passado, quando o ex-presidente, por vontade própria, resolveu se entregar para ser conduzido até a carceragem da PF em Curitiba. Vocês viram que passou mais de um dia para que a PF, com a ajuda da PM e de outras forças policiais que estavam prestando todo o apoio sem o qual não seria possível efetivar a ordem de prisão dele em abril, [conseguisse tirar Lula em segurança do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC]. Vocês viram: todos são testemunhas da dificuldade que é retirar alguém de um local cercado por uma multidão, ou por poucas pessoas que sejam, que por uma razão ideológica não querem que uma medida judicial, dentro de um Estado de Direito, seja cumprida. Por razões próprias [elas não querem].
Nós não estamos aqui contra ninguém, não estamos aqui querendo prejudicar a imagem de qualquer pessoa, ou direito de qualquer pessoa. Pelo contrário. As instituições, como a PF e o MPF e a Justiça Federal, e o Poder Judiciário como um todo, estão para garantir direitos. A PF está para garantir direitos, e não para ceifar os direitos.
Então, quando nos é dada uma missão, a gente tem que cumprir essa missão com responsabilidade, prevendo as manifestações e as multidões que vão se deslocar para o local [para] onde seria necessário levar o ex-presidente a pedido dele. Então ele queria ir, conforme a defesa pediu, fazer parte de todos os atos post mortem de seu irmão, de todos os atos fúnebres. Esse era o pedido.
O que nos cabe aqui fazer? Analisar quais são os riscos desse transporte, qual é a quantidade, qual é a multidão de pessoas que vão se aglomerar, inclusive [que] já [estavam] sendo convidadas a aparecer por meios das mídias que estavam transmitindo nas redes sociais dos militantes. Inclusive de um senador da República, de deputada que estava chamando o pessoal de seus partidos e companheiros para irem até o local onde seria feito um evento político.
Ou seja: imaginem num cemitério, em que há diversos portões, entradas, inclusive onde um helicóptero não pode nem descer, imagine como seria transportar, seja de helicóptero ou de viatura, [a partir] de um aeroporto como de Congonhas – onde vocês viram a confusão que foi no momento em que descobriram que estava sendo feita a colheita de declarações [de Lula], a condução coercitiva, naquele outro episódio. Tirar isso, levar até São Bernardo do Campo em um cemitério. Olha a quantidade de policiais que deveria ser empregada para garantir o perímetro em volta do cemitério para que os manifestantes não chegassem até o local onde estaria o ex-presidente.
Então me parece muito óbvias a dificuldade e a responsabilidade do Estado como um todo para garantir um direito de alguém que está preso, inclusive pela Lei de Execuções Penais, de ir até um velório ou enterro de seu parente. Mas isso foi muito bem sopesado pelo Poder Judiciário [no caso, a juíza Carolina Lebbos] quando disse que ‘pode’ ser feito [conforme artigo 120 da lei 7.210] não significa que ‘tem’ que ser feito. Cada caso tem que ser analisado. E assim são deferidos vários pedidos anualmente para que os presos possam ir nos velórios.
Agora: eu não conheço nenhum caso, desses milhares que já foram deferidos, onde foi pego um preso de um estabelecimento penal onde estava recolhido, utilizado uma aeronave e gastos públicos milionários para levá-lo a um outro estado onde houvesse uma militância e uma grande concentração de manifestantes pós e contra. Eu não conheça na história do Brasil que isso tenha acontecido. Nem mesmo com o próprio presidente Lula, quando ele foi preso na ditadura, eu acho que houve um transporte interestadual dele e tantos manifestantes que pudessem colocar a vida dele e dos agentes públicos, que estivessem responsáveis para garantir esse direito, em risco.
Então é necessário a gente aproveitar para demonstrar que não se trata de questão ideológica, não é isso. São instituições públicas que estão há muito tempo aqui demonstrando a sua imparcialidade, o combate à corrupção, evitando que ocorram novamente desvios como este que hoje está sendo demonstrado aqui, que vigora há mais de 10 anos em empresas públicas, sociedades de economia mista, dinheiro público que foi desviado por diversos grupos. Não foi só um. Não foi só um governo. A gente, na Lava Jato, nunca focou em qualquer partido, tanto é que são mais de dez, vinte partidos políticos que tiveram alguns de seus integrantes desviando verba pública, recebendo propina.
Isto também não significa que um partido ou outro sejam ruim ou bom, significa que existem pessoas que praticam crimes, e essas pessoas podem estar filiadas a um partido, podem estar exercendo um cargo público, ou podem não estar exercendo nada. Não é isto que define se a pessoa presta ou não, se ela deve ser presa ou não, ou se ela deve ressarcir o prejuízo causado. Não é isto. São os fatos sobre os quais ela pode ser responsabilizada.
E quando a gente tem o dever de garantir o transporte de um preso, seja ele qual for, nós assumimos a responsabilidade sobre a vida dele e sobre a vida dos agentes públicos que serão empregados para isto. E os meios de transporte, a gente tem que tirar às vezes de Brumadinho para garantir um direito como esse. E a gente tem que colocar na balança se é possível e se o pedido feito, mesmo que seja envidado todos os esforços humanos e materiais, vai ser alcançado.
E quando a gente verifica que não vai ser alcançado, eu não entendi a polêmica. Não entendi qual foi a parte que não entenderam que simplesmente não era possível, que não dependia da boa vontade de ninguém, apenas não havia condições logísticas e policiais suficientes para garantir a segurança do próprio conduzido e dos agentes públicos empregados numa grande operação policial que seria para efetivar um pedido como este.
A partir do momento em que foi feito um pedido da defesa, de modo bem categórico, ‘nós queremos que ele vá ao cemitério e fique presente em todos os atos fúnebres’, a PF imediatamente acionou a sua Diretoria de Inteligência para que fossem feitas todas as análises em SP, acionou a sua coordenação de aviação para saber qual era o meio mais rápido para fazer isto, além de várias outras análises, e foi dada a resposta no mesmo dia, horas depois do pedido, ‘olha, isso aqui não dá, por causa disso, disso e disso’.
Caberia à defesa fazer um pedido alternativo, para saber se podia atender um pedido alternativo. Não cabe à PF ficar dando outras alternativas, porque isso não é feito para qualquer outro preso. Mas isso não impede que a defesa venha e dê outras alternativas. A partir do momento em que o caso foi judicializado, e isso ocorreu ao mesmo tempo que foi pedido e decidido administrativamente, cabe ao Poder Judiciário dizer se deve ser feito ou não, ou consultar a Polícia Federal se é possível dentro do tempo que você tem disponível de fazer assim.
Se a PF não é consultada, ela apenas cumpre a decisão, ou pelo menos tenta cumprir, que é o que a gente estava tentando fazer assim que tomamos conhecimento da decisão judicial [de Dias Toffoli], mas interrompemos em razão da imediata recusa do ex-presidente de ser conduzido da forma como foi autorizado.”
Leia também as íntegras da decisão de Carolina Lebbos e da decisão de Dias Toffoli.
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