Chefe do Gaeco do Paraná ofendido por Gilmar Mendes ganha ação, mas quem paga é você (de novo)
O juiz Friedmann Anderson Wendpap, da 1ª Vara Federal de Curitiba, deu ganho de causa ao promotor Leonir Batisti, chefe do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) do Paraná, que foi chamado de bêbado por Gilmar Mendes. Procurador de Justiça há 40 anos, ele exerce a função de coordenador-geral do Gaeco desde 2008...
O juiz Friedmann Anderson Wendpap, da 1ª Vara Federal de Curitiba, deu ganho de causa ao promotor Leonir Batisti, chefe do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) do Paraná, que foi chamado de bêbado por Gilmar Mendes.
Procurador de Justiça há 40 anos, ele exerce a função de coordenador-geral do Gaeco desde 2008.
Em 7 de novembro de 2019, durante o julgamento que revisou a execução da pena após condenação em segunda instância, Mendes disse que Batisti “foi surpreendido numa blitz embriagado” e que “veja bem, parece que o alcoolismo é um problema do Ministério Público hoje”.
O fato jamais ocorreu.
Em 25 de agosto de 2020, durante julgamento de aditivo de um acordo de delação homologado pela Vara Criminal de Londrina, o ministro votou à carga contra Batisti, dizendo que “o problema dele não seria o alcoolismo, mas assédio sexual”. Ocorre que também a notícia-crime de assédio já havia sido arquivada.
Para o juiz Friedmann Wendpap, Gilmar Mendes não pode usar sua imunidade de magistrado para ofender as pessoas.
“O campo de imunidade do magistrado destina-se a proteger o exercício dos deveres da judicatura. A imunidade não tem o desiderato de proteger a pessoa investida dos deveres; destina-se a assegurar o exercício independente da função jurisdicional em benefício da república que carece – para manter o seu substrato de igualdade política de todas as pessoas – de decisões judiciais imparciais, íntegras, decorosas e diligentes.”
Wendpap avaliou que as declarações de Gilmar Mendes “incorreram em abuso do mandato, pois o ato judicial julga condutas e não pessoas”. Houve, “quebra do decoro judicial e da lhaneza forense”.
Na sentença que fixa em R$ 60 mil o valor da indenização por danos morais, o magistrado dá uma aula ao ministro que se acostumou a disparar ofensas contra qualquer um que lhe cruze o caminho, até colegas do Supremo. E compara a imunidade do magistrado à do parlamentar.
Diz Wendpap:
“Exercer o munus da magistratura com independência significa, nos termos do Código de Bangalore, liberdade do juiz para decidir as causas que lhe competirem sem interferência das partes ou de terceiros na forma como substancia seus argumentos e adopta uma decisão. Bouche de la loi e não bouche du roi, seja o “rei” um monarca ou um poderoso ocasional.
Tem-se, até aqui, a existência da imunidade do magistrado. Quais são os limites? O art. 41 da LOMAN, alinhado com a forma republicana de governo, preceitua a imunidade do magistrado por opiniões que manifestar salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem. Significa dizer que, tal qual a imunidade parlamentar, a imunidade judicial no exercício do mister é escrutinável para avaliar se a conduta da pessoa investida dos deveres da magistratura foi adequada ao adimplemento desses deveres.
Superado o conceito monárquico da imunidade ‘absoluta’ do magistrado, passo à indagação sobre o significado de ‘impropriedade ou excesso de linguagem’ não cobertos pela imunidade atinente às opiniões que o juiz manifestar e teor das decisões que proferir. Porém, antes de avançar na análise jurídica, insta pensar de modo mais lato acerca da civilidade e linguagem.
(…) A adequação da linguagem do magistrado perfila-se com dever de urbanidade preceituado pelo art. 35, IV, da LOMAN. O preceito impõe aos magistrados o dever de tratar com urbanidade todas as pessoas que atuam para a prestação da jurisdição, qualquer seja o status delas. Do pessoal da faxina aos magistrados, a lei vê pessoas com dignidade a ser admirada e valorizada. O menoscabo, a humilhação, maus modos, envenenam o ambiente forense. Vale lembrar que a matéria prima do trabalho forense é o sofrimento decorrente de cismas, dolo, negligência etc. A falta de urbanidade dos atores processuais incrementa a dor de quem precisa do socorro judicial.”
O juiz deve ter sempre em consideração que o cargo não é propriedade dele. O cargo é insusceptível a uso, fruição e disposição porque pertence à república e a ela o mandatário deve prestar contas. Essas pertinem ao resultado laborativo e ao modo como o juiz exerce o munus de pacificação social (…) O sarcasmo reforça o animus diffamandi.”
Não é a primeira vez que a União é condenada por ofensas de Gilmar Mendes a outras autoridades, como no caso do procurador Deltan Dallagnol e do juiz Marcos Josegrei, da Operação Carne Fraca.
Cabe à AGU cobrar os valores do ministro, mas as chances são mínimas. O advogado-geral é casado com uma assessora do gabinete do próprio Gilmar Mendes.
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