Bolsonaro e Doria: tudo por uma foto, uma imagem de TV
Depois de fracassar na tentativa de trazer a toque de caixa dois milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca produzida na Índia, Jair Bolsonaro resolveu confiscar as 6 milhões de doses da Coronovac, a vacina produzida pelo laboratório chinês Sinovac, comprada pelo governador João Doria. As doses estão estocadas no Instituto Butantan, em São Paulo, que também fabricará a vacina...
Depois de fracassar na tentativa de trazer a toque de caixa dois milhões de doses da vacina de Oxford/Astrazeneca produzida na Índia, Jair Bolsonaro resolveu confiscar as 6 milhões de doses da Coronovac, a vacina produzida pelo laboratório chinês Sinovac, comprada pelo governador João Doria. As doses estão estocadas no Instituto Butantan, em São Paulo, que também fabricará a vacina. O confisco, para além de ser um atentado contra o princípio federativo e uma ofensa a São Paulo, tem o único objetivo de evitar que Doria, potencial candidato a presidente da República, tenha a chance de dar a partida na vacinação em massa que, espera-se, livre o Brasil da pior crise sanitária em um século.
Diante da manobra do confisco, João Doria fará um pronunciamento imediatamente depois do anúncio da aprovação da Coronavac pela Anvisa e poderá mostrar na televisão ainda hoje o primeiro brasileiro — de São Paulo — a receber um imunizante contra a Covid-19. Uma boa e merecida passada de perna em Bolsonaro.
É disso que se trata: de uma foto, de uma imagem de TV. Trata-se do ápice da disputa política em que tanto Bolsonaro quanto Doria transformaram o enfrentamento da pandemia no Brasil — o bate-boca entre ambos naquela primeira reunião entre o presidente e os governadores, no início de tudo, prenunciava o caos e é um dos instantes mais vergonhosos da história da República. Quase um ano depois, resta aos cidadãos constatar que, enquanto Bolsonaro negava a gravidade da situação, sabotando todas as medidas efetivas contra o vírus, Doria pelo menos fez alguma coisa logo, para além das quarentenas fajutas em São Paulo, ao fechar contrato com a Sinovac, para a compra daquela que, até a semana passada, era chamada pejorativamente de “vachina” pelos bolsonaristas.
É o país do “pelo menos”. Com sociopatas no governo federal (há mais de um) e oportunistas em outras esferas de poder, o país não teve e não tem coordenação nacional para combater a pandemia, como ilustra tragicamente a tragédia da falta de oxigênio em Manaus — e, desse modo, deixou de comprar vacinas como as de Pfizer/BioNtech e Moderna, muito efetivas e com as quais já foram imunizadas milhões de pessoas em outros países. Ao invés de coordenação, temos o binarismo entre “a vacina do Bolsonaro”, a de Oxford/Astrazeneca, que teve sérios problemas de metodologia nos estudos clínicos, e “a vacina do Doria”, que tem eficácia geral de pouco mais de 50% e, por isso mesmo, exigirá que um número maior de cidadãos a tome, para que se atinja a imunidade de rebanho.
Melhor que nada? Evidentemente. Por causa de uma classe política que está entre as mais deletérias do mundo (senão a mais), o Brasil é também o país do “melhor que nada”. Aconselho a leitura da reportagem da capa da Crusoé sobre os farsantes da pandemia. Está aberta a não assinantes.
Vamos para a frente da TV assistir a mais um show da nossa classe dirigente. O negócio hoje é aparecer no Fantástico. Nos próximos meses, vacinemo-nos todos com os imunizantes que tivermos à disposição. Que o pesadelo da Covid-19 acabe o quanto antes. Quanto ao pesadelo causado cotidianamente pelos nossos políticos, ele continuará, infelizmente.
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