Bolsonaro desferiu ‘ataque intimidatório à imprensa’, diz procuradoria
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão repudiou, em nota, o recente insulto de Jair Bolsonaro à imprensa, em razão de notícias sobre gastos do governo com leite condensado. O órgão disse que o presidente "desferiu verdadeiro ataque intimidatório à imprensa brasileira"...
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão repudiou, em nota, o recente insulto de Jair Bolsonaro à imprensa, em razão de notícias sobre gastos do governo com leite condensado.
O órgão — braço do MPF que atua junto a órgãos públicos para promover direitos coletivos — disse que o presidente “desferiu verdadeiro ataque intimidatório à imprensa brasileira”.
“Ataques verbais, à expressão de opinião por jornalistas configura grave violação à liberdade de expressão e à liberdade de informação prestada por meio da imprensa, passível de caracterizar medida de censura indireta”, afirmou a procuradoria.
A nota diz que a Constituição brasileira “garante expressamente a plenitude da liberdade de informação jornalística”. “Também é fundamento de nossa República o dever de transparência, em especial quanto ao uso de verbas e recursos públicos, cabendo aos gestores públicos, de qualquer nível, prestar informações claras, objetivas e precisas acerca de sua utilização.”
“Não bastasse a demonstração de escassa urbanidade no trato de assuntos públicos, também causa constrangimento e preocupação o fato de que referidas expressões foram alvo de apoio e celebração por outras autoridades públicas presentes ao evento”, diz a nota da PFDC.
Leia a íntegra:
“Tema: Declarações do Presidente da República a respeito da liberdade de imprensa.
O Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos indispensáveis, dentre outros, as liberdades de expressão e de imprensa, nos termos da Constituição da República.
Pilares do regime democrático, essas liberdades fundamentais não podem ser alvo de ataques diretos ou indiretos, tampouco serem submetidas à intimidação por quem quer que seja. Ao contrário, demandam especial proteção pelos agentes públicos.
Também é fundamento de nossa República o dever de transparência, em especial quanto ao uso de verbas e recursos públicos, cabendo aos gestores públicos, de qualquer nível, prestar informações claras, objetivas e precisas acerca de sua utilização.
E, na busca pela concretização dessa transparência, além da atuação dos mecanismos estatais, cumpre à sociedade brasileira papel fundamental, seja individualmente por parte de cada cidadão – que pode manejar diversos mecanismos diretos de controle, como a ação popular e o direito de petição perante a Administração Pública –, seja pela imprensa – que pode e deve cobrar livremente explicações e justificativas sobre uso e manejo de recursos públicos.
Não por outro motivo, a Constituição da República Federativa do Brasil, além de prever ampla liberdade de expressão (artigo 5º, incisos IV, IX e XIV), também garante expressamente a plenitude da liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social (CR, art. 220).
Em um Estado Democrático de Direito, a transparência pública, a livre expressão de opiniões e a liberdade de imprensa devem ser preservadas e estimuladas, por contribuírem para o debate democrático e, de consequência, para a evolução social.
A criação de embaraços diretos e indiretos, por lei, ato administrativo ou ataques verbais, à expressão de opinião por jornalistas configura grave violação à liberdade de expressão e à liberdade de informação prestada por meio da imprensa, passível de caracterizar medida
de censura indireta.
Vale ressaltar que diversos compromissos internacionais adotados pelo Brasil apontam o respeito e a proteção à atividade de uma imprensa livre como fundamentos do Estado Democrático de Direito, a serem, portanto, assegurados em qualquer circunstância.
Igualmente a Comissão Interamericana de Direitos Humanos é contundente em relação às obrigações estatais de prevenção e apuração de atos que podem ser considerados amedrontadores de jornalistas, razão pela qual se apresenta inaceitável a prática de atos dessa natureza por qualquer agente público brasileiro.
Nesse contexto, é com profunda apreensão que se constatou, no último dia 27 de janeiro, manifestação do excelentíssimo senhor Presidente da República, que, em resposta a questionamentos da imprensa sobre gastos públicos (embasados, ao que se sabe, em dados extraídos do Portal da Transparência, veículo oficial de publicidade dos atos da Administração Pública), desferiu verdadeiro ataque intimidatório à imprensa brasileira.
Pede-se licença para se reproduzir, ipsis litteris, as expressões utilizadas pelo senhor Presidente da República, publicamente proferidas e gravadas em vídeo que circulou amplamente na Internet, as quais contém inaceitáveis expressões de baixo calão:
“Vai para puta que o pariu, Imprensa de merda essa daí. É para enfiar no rabo de vocês aí, vocês não, vocês da imprensa, essa lata de leite condensado”.
Não bastasse a demonstração de escassa urbanidade no trato de assuntos públicos, também causa constrangimento e preocupação o fato de que referidas expressões foram alvo de apoio e celebração por outras autoridades públicas presentes ao evento.
O discurso, parcialmente transcrito acima, atenta contra a liberdade de imprensa, caracterizando verdadeiro ataque a essa garantia fundamental, uma vez que formulada pela mais alta autoridade pública brasileira, contra legítimos questionamentos sobre informações de interesse geral.
A PFDC – PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DOS CIDADÃOS, vem a público, por meio do Grupo de Trabalho “Liberdades: Consciência, Crença e Expressão”, repudiar e manifestar preocupação e estranheza em relação ao ocorrido e ao desconforto demonstrado pelo excelentíssimo senhor Presidente da República com o exercício do direito à livre manifestação de pensamento pelos órgãos e profissionais de imprensa.
Carlos Alberto Vilhena
Subprocurador-Geral da República
Procurador Federal dos Direitos do Cidadão
Mariane Guimarães de Mello Oliveira
Procuradora da República
Grupo de Trabalho Liberdades: Consciência, Crença e Expressão
Coordenadora
Enrico Rodrigues de Freitas
Procurador da República
Grupo de Trabalho Liberdades: Consciência, Crença e Expressão
Coordenador-Substituto”
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