Bloqueio de perfis por Moraes atropelou discussões internacionais sobre o tema, dizem professores
O ministro Alexandre de Moraes atropelou uma discussão global bastante sensível sobre Direito Digital com sua tentativa de suspender perfis no Twitter e no Facebook no mundo inteiro. Professores de Direito consultados por O Antagonista são unânimes em dizer que o tema é polêmico demais para ser ignorado. E não deveria ter sido tratado numa liminar em um inquérito...
O ministro Alexandre de Moraes atropelou uma discussão global bastante sensível sobre Direito Digital com sua tentativa de suspender perfis no Twitter e no Facebook no mundo inteiro. Professores de Direito consultados por O Antagonista são unânimes em dizer que o tema é polêmico demais para ser ignorado. E não deveria ter sido tratado numa liminar em um inquérito.
“A decisão não apura como funciona o Direito estrangeiro. Ela não sabe como outros países tratam do assunto. Cada lugar tem suas leis e suas noções de certo e errado, e dificilmente essa decisão será cumprida fora do Brasil”, afirma o advogado Francisco Laux, especialista em Direito Digital.
O professor Diogo Rais, da Universidade Mackenzie, concorda: “É um precedente muito perigoso para a liberdade de expressão, para a soberania nacional e para a própria internet”.
Na opinião do advogado Fabrício Polido, professor de Direito Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais, Alexandre tenta, com a decisão, “a aplicação extraterritorial do Marco Civil da Internet, o que seria ilegal do ponto de vista do Direito Internacional. A decisão viola, inclusive, a jurisdição de Estados estrangeiros onde os servidores do Twitter e do Facebook estão”.
Ambas as empresas já disseram que a decisão de Alexandre de Moraes é desproporcional e vão recorrer.
Nos Estados Unidos, por exemplo, existe uma lei chamada Speech Act. Ela proíbe o cumprimento de decisões judiciais que desrespeitam a 1ª Emenda à Constituição dos EUA – a que garante a liberdade de expressão. “Ou seja, nos EUA essa decisão já não vai ser cumprida”, diz Laux, que acaba de concluir um doutorado cuja tese é que decisões judiciais sobre internet não valem fora dos países em que elas foram tomadas.
Em junho de 2017, a Suprema Corte do Canadá mandou o Google retirar dos resultados de buscas todos os sites da empresa Equustek. Era uma discussão sobre propriedade intelectual e o tribunal canadense disse que, por ser sobre um assunto regulado em tratados internacionais, a decisão deveria valer no mundo inteiro.
A Suprema Corte da Califórnia, nos EUA, decidiu que a decisão desrespeitava a Speech Act e por isso não deveria ser cumprida. E não foi.
Já a Europa discute essa questão há muitos anos, afirma Laux. Em setembro do ano passado, a Corte de Justiça da União Europeia definiu que suas decisões sobre remoção de conteúdo da internet não se aplicam a países que não fazem parte da União Europeia.
Segundo Francisco Laux, “o acórdão diz com todas as letras: ‘Essa decisão não vale fora da Europa, porque não sabemos o que dizem as leis de outros países”.
Em outubro de 2019, a Corte de Justiça da Europa ampliou um pouco seu argumento e concluiu que, a depender do Direito Internacional, uma decisão que mandou o Facebook apagar um perfil “poderia ser” aplicada fora da União Europeia. Mas deixou claro que isso dependia de cada país.
A decisão de Alexandre não faz qualquer menção à lei de outros países. Apenas diz que Facebook e Twitter devem bloquear o acesso aos perfis dos investigados “por qualquer meio ou qualquer IP, seja do Brasil ou fora dele”.
Para Diogo Rais, a partir desse argumento seria possível dizer que todas as decisões judiciais do mundo inteiro valem para todo lugar. “Já imaginou o caos se a gente aplicasse aqui o entendimento sobre liberdade de expressão da Malásia ou do Afeganistão? É bastante perigosa essa expansão da competência judicial para fora das fronteiras do país”, diz ele.
De fato, seria um caos. A China, conta Francisco Laux, tem uma lei que proíbe postagens pessimistas em redes sociais. Outra sobre o layout correto para sites.
Mesmo assim, Alexandre encontra terreno fértil para sua liminar no Brasil. O país é o terceiro no ranking mundial (atrás de Rússia e Turquia) de retirada de tweets do ar por “ordem legal”, segundo relatório do próprio Twitter.
Foram 46 pedidos judiciais ou de governo para remoção de conteúdo entre janeiro e junho do ano passado, o dado mais recente fornecido pela empresa. Mas só 19% desses pedidos foram efetivamente atendidos.
Nos EUA, foram dois pedidos, nenhum deles atendido.
A decisão de Alexandre de Moraes sobre o bloqueio a perfis bolsonaristas demorou dois meses para ser cumprida. E só foi atendida depois que ele ameaçou as empresas de multa de R$ 20 mil por dia.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)