Barroso errou ao criticar Bolsonaro
O ministro do STF Luís Roberto Barroso tem o dom da clareza. Os seus votos costumam ser os mais intelígiveis e são explicados com didatismo quando proferidos em plenário. O seu passado de advogado certamente o ajuda nesse sentido, assim como o fato de ser dono de uma cultura humanista que transcende em muito a jurídica...
O ministro do STF Luís Roberto Barroso tem o dom da clareza. Os seus votos costumam ser os mais intelígiveis e são explicados com didatismo quando proferidos em plenário. O seu passado de advogado certamente o ajuda nesse sentido, assim como o fato de ser dono de uma cultura humanista que transcende em muito a jurídica.
Pode-se não estar de acordo com todas as posições dele a respeito de vários temas — e Barroso esteve especialmente do lado errado no caso do terrorista italiano Cesare Battisti, a quem defendeu como advogado. Pode-se também considerar que ele exagera um pouco no ativismo judicial (e que juiz não anda exagerando, não é?). Mas não há como duvidar do seu apreço pela democracia, mesmo que tenha escorregado ao juntar-se aos outros ministros para avalizar o inquérito do fim do mundo, uma aberração jurídica que ofende a Constituição.
Porque é justamente um ministro que conhece bem os limites formais impostos pela democracia, causa estranheza a sua fala sobre o presidente da República. Barroso disse:
“Tivemos dois presidentes destituídos depois de serem eleitos pelo voto popular, tivemos muita inflação, recessão, alto desemprego, escândalos de corrupção dramáticos, governos de direita, esquerda e de centro e temos um presidente que defende a ditadura e exalta a tortura. E ninguém nunca defendeu solução diferente do respeito à legalidade constitucional (…).
A democracia brasileira tem sido bastante resiliente, embora constantemente atacada pelo próprio presidente. Uma coisa que contribui para a resiliência da democracia no Brasil é a liberdade, independência e poder da imprensa brasileira.”
Vamos deixar de lado o elogio à imprensa brasileira, o qual agradeço pessoalmente como jornalista que já foi indiciado e censurado, inclusive no âmbito do inquérito avalizado pelo ministro. A questão é Barroso ter se referido diretamente ao presidente da República, fora dos autos, para dizer que ele constantemente ataca a democracia.
Um juiz de primeira instância ou segunda instância que fizesse isso provavelmente entraria na mira do Conselho Nacional de Justiça. Ministros do STF estão acima do soviete inventado pelo PT, não são passíveis de punições por outros órgãos jurídicos, mas deveriam dar o exemplo de não emitir opiniões fora dos autos que possam ofender outros poderes.
Não importa se Barroso disse ou não a verdade, ponto que as redes sociais e políticos debatem na habitual gritaria. É fato fartamente documentado que Bolsonaro ataca constantemente a democracia. A sua tática mais comum é utilizar os seus apoiadores, para depois fazer o elogio das suas próprias virtudes democráticas. Não importa a realidade desse fato, porque um ministro do STF não pode dizer algumas verdades fora dos autos sobre o presidente da República, assim como o presidente da República não pode dizer em discursos oficiais ou oficiosos algumas verdades sobre ministros do STF. É mais do que uma questão litúrgica. Trata-se principalmente de interferência indevida em outro poder da República.
Juízes podem emitir opiniões fora dos autos? No mais das vezes, sim. Afinal de contas, são cidadãos como quaisquer outros, com direito à liberdade de expressão. Mas o esperado é que o façam sobre temas mais gerais e nunca sobre aqueles cujos atos eles possam vir a ter de julgar sem a mediação de outras instâncias — como é o caso do presidente da República, que tem no STF o seu único foro jurídico (o Senado só passa a sê-lo no caso de pedido de impeachment, mas presidido pelo presidente do STF).
Barroso criticou o presidente da República numa videoconferência promovida pela Fundação Fernando Henrique Cardoso, da qual participava Dieter Grimm, ex-membro da Corte Constitucional da Alemanha. O assunto era “Respostas Constitucionais a Retrocessos na Democracia”. Ou seja, ele estava num evento promovido por uma fundação de um político de oposição a Jair Bolsonaro, ao lado de um estrangeiro que teve assento no mais alto tribunal alemão. A moldura piora o quadro. Não esqueçamos ainda que, segundo a justificativa de Dias Toffoli para abrir o inquérito do fim do mundo, basta que um ministro do STF esteja presente para que o lugar seja considerado recinto do Supremo. Barroso, portanto, estava no STF quando criticou o presidente da República. Não pode, sejamos claros.
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