As palavras de Júlio Marcelo de Oliveira
O Antagonista teve acesso em primeira mão ao discurso que Júlio Marcelo de Oliveira fará ao assumir a presidência da Associação Nacional do Ministério Público de Contas.Leiam, por favor, o texto na íntegra...
O Antagonista teve acesso em primeira mão ao discurso que Júlio Marcelo de Oliveira fará ao assumir a presidência da Associação Nacional do Ministério Público de Contas.
Leiam, por favor, o texto na íntegra:
Brasília-DF, em 30 de março de 2017.
Excelentíssimas autoridades presentes,
Senhoras e Senhores,
Em primeiríssimo lugar, queremos agradecer a presença de todos que, muito gentilmente, reservaram este precioso tempo para nos honrar com suas presenças e atenção. O que temos todos nós de mais valioso senão o tempo que nos foi concedido viver? Aproveitando nosso tempo comum, convido a todos que façamos desta solenidade não só um momento de celebração, mas também de reflexão.
Sendo o tempo tão precioso e fugaz, as perguntas óbvias que nos fazemos são: o que faremos em nosso mandato? O que de bom plantaremos? O que de bom poderemos colher? Que contribuições poderemos deixar para o desenvolvimento do Ministério Público de Contas e para o controle externo da Administração Pública?
Centraremos esforços em duas linhas de ação que nos parecem fundamentais: a autonomia plena do Ministério Público de Contas, com atuação assegurada em todos os processos de controle externo, e a reforma dos Tribunais de Contas.
Olhando em retrospectiva os últimos 28 anos, podemos constatar que vivemos uma extraordinária experiência constitucional no que tange ao Ministério Público. Tivemos todos a oportunidade de observar em concreto o que acontece na prática com essa instituição quando ela é dotada de autonomia e o que ocorre quando lhe é negado esse atributo. Não sei se outro país do mundo teve experimento tão revelador como este.
Para além de argumentações teóricas e retóricas, basta verificarmos empiricamente e compararmos o que aconteceu com o Ministério Público comum ou judicial depois que lhe foi concedida explicitamente sua autonomia pela Carta de 1988 e o que se passou com o Ministério Público de Contas, considerado em 1993, na ADI 789, inserido na “intimidade estrutural” dos tribunais de contas, sem autonomia administrativa, orçamentária e financeira, segundo essa concepção.
Enquanto o Ministério Público judicial se desenvolveu a olhos vistos, se profissionalizando, se equipando, adquirindo os meios necessários para atingir níveis elevados de resultados positivos em sua atuação perante a sociedade, conduzindo grandes operações como a Lava Jato, o MP de Contas passou a maior parte desse mesmo período lutando nos – ou com os – Tribunais de Contas simplesmente para existir (em São Paulo, o MP de Contas tem apenas 5 anos!), para ter condições materiais mínimas de funcionamento e para ter as prerrogativas de independência funcional de seus membros reconhecidas e respeitadas.
Quanto desperdício de energia! Quanto tempo e quantas oportunidades de atuação em prol da sociedade foram perdidas nesse período? Quão melhor estaria o controle externo brasileiro com a atuação plenamente livre do MP de Contas? Sim, porque empiricamente se observa que onde o MP de Contas pode atuar com mais desenvoltura, melhores são os resultados dos Tribunais de Contas. Não somos a salvação do mundo, mas temos consciência de que somamos, de que agregamos valor, de que contribuímos para qualificar as discussões nos Tribunais de Contas.
O modelo do MP de Contas sem autonomia está superado, é anacrônico e inconstitucional, equivale ao do MP judicial existente antes da Constituição de 1988, dependente ora do Poder Judiciário, ora do Poder Executivo, para poder funcionar.
Felizmente, há ações no Supremo Tribunal Federal que permitirão à excelsa Corte revisitar esse tema e que podem resultar em importante evolução dessa primeira concepção de intimidade estrutural, que tanto mal tem feito ao MP de Contas e ao controle externo brasileiro hoje. Certamente o STF decidiu aquele leading case mirando os dados da realidade daquela época, recém vigente nossa Carta de 1988. Confiamos que a experiência histórica desde então, o observar os efeitos da autonomia sobre o Ministério Público judicial e o da falta de autonomia sobre o MP de Contas, permitirá à nossa Corte Constitucional alcançar uma nova compreensão sobre o funcionamento adequado do MP de Contas e dos Tribunais de Contas.
O modelo construído historicamente no Pará, em exame pelo STF, é o nosso paradigma de modelo ideal. Um MP de Contas enxuto, ágil, com especialização em contas públicas, atuando em perfeita harmonia, de forma complementar, tanto com os Tribunais de Contas como com o MP judicial, é o que a experiência de mais de cinquenta anos do estado do Pará nos mostra ser não só factível, como ideal. Aliás, no MPC do Pará temos o decano de nosso MP de Contas, Dr. Antonio Maria, que com seus 71 anos de idade e 46 anos de carreira no MPC, nos inspira cotidianamente com seu mix perfeito de entusiasmo e experiência.
No plano do livre e pleno funcionamento do MP de Contas, além da autonomia administrativa, orçamentária e financeira, há que se assegurar sua atuação em todos os processos sujeitos à deliberação dos Tribunais de Contas, independentemente de solicitação dos ministros ou conselheiros relatores. Mesmo no TCU, considerado o melhor dos Tribunais de Contas, a maior parte dos processos de auditoria, com suas múltiplas variantes, não é enviada para exame e opinião do MP de Contas. No mais das vezes, o MP de Contas só tem ciência da existência do processo quando ele já se encontra pautado para julgamento. Evidente que isso traz embaraços para o funcionamento do MP de Contas e do controle externo. Perdemos todos com isso. O MP de Contas, por não realizar plenamente sua missão constitucional; o Tribunal de Contas, por decidir com menos elementos e fundamentos e a sociedade, por pagar caro para manter um sistema que poderia e deveria funcionar de forma completa e melhor e não apenas de forma parcial.
Não é condizente com a dignidade das funções do Ministério Público de Contas que os Tribunais de Contas disponham de sua atuação como se se tratasse de uma assessoria jurídica especializada, ora solicitando o pronunciamento do órgão ministerial, ora o dispensando. Isso viola a independência funcional do MP de Contas. Não foi para isso que o Constituinte previu um Ministério Público especializado em contas públicas. O que a sociedade espera do MP de Contas é que seja um órgão atuante, presente em todas as discussões levadas a efeito nos Tribunais de Contas. Quanto antes isso ocorrer, melhor será para todo o sistema de controle externo, melhor será para a sociedade brasileira.
É preciso falar também sobre a inadiável reforma dos tribunais de contas. Embora se trate de tema com alguma sensibilidade, que não raras vezes dá ensejo a reações emocionais, fato é que só podemos resolver os problemas que decidirmos enfrentar. Negá-los não irá diminuí-los, tampouco resolvê-los.
O modelo desenhado na Constituição de 1988, que deu preponderância aos critérios políticos de indicação de ministros e conselheiros sobre os critérios técnicos, não tem funcionado bem. É preciso admitir isso. Não se trata aqui de abordar esse tema de forma simplista, demonizando os políticos e endeusando os de formação técnica. Sabemos que há políticos honestos e competentes, dignos da maior admiração. Sabemos também que há técnicos ineptos e desonestos.
Não sejamos, pois, maniqueístas, mas também não sejamos ingênuos. Sabemos todos o momento pelo qual o país passa, testemunhamos todos como a corrupção se infiltrou em todos os poderes, em todos os níveis. Temos de pensar e almejar os modelos de instituições menos vulneráveis à corrupção e à ingerência política. Aqui falamos de probabilidades, de modelos que facilitam ou que dificultam essas práticas nocivas.
O fato, demonstrado empiricamente, é que a indicação política favorece a captura do órgão de controle pelos grupos políticos dominantes, sobretudo em estados em que ocorre o domínio de um grupo político por largo período de tempo ou de forma muito intensa, o que produz órgãos de controle que tendem a ser lenientes, omissos, menos rigorosos com os governantes integrantes desse grupo de domínio, sem falar no risco de corrupção sempre presente, que não pode ser ignorado ou subestimado. Há casos de compra de vaga de conselheiro mediante pagamento para antecipação de aposentadorias. Evidente que quem se dispõe a comprar uma vaga de conselheiro pretende obter retorno elevado para o seu indecoroso investimento.
Assim como o controle atuante induz melhorias de qualidade na administração, o oposto também ocorre. O controle leniente, omisso ou corrompido, conduz ao desrespeito com o dinheiro público. Parece evidente a correlação entre a grave crise fiscal, financeira e moral por que passam vários estados, como o Rio de Janeiro, por exemplo, e a atuação deficiente ou ausente dos respectivos tribunais de contas, como visto ontem em todos os meios de comunicação.
Não se afigura razoável que órgãos com a missão constitucional de fiscalizar a administração pública possam ter seus membros escolhidos com preponderância de critérios políticos sobre a formação e experiência técnica. Mesmo tendo em conta que a boa experiência política pode sim enriquecer discussões e debates no seio dos tribunais de contas, ela jamais pode estar dissociada da indispensável formação técnica.
Em termos de modelo de instituição, não faz sentido algum que a quantidade de membros indicados politicamente seja superior à quantidade dos de origem técnica. Também não é razoável que indicações políticas ocorram sem observância de critérios objetivos de qualificação dos indicados e sem respeito aos requisitos de idoneidade moral e reputação ilibada. Não é aceitável, por exemplo, que tenhamos conselheiros sem curso superior ou conselheiros que, mesmo antes de indicados, já eram processados, alguns até mesmo condenados com trânsito em julgado, por improbidade administrativa.
A AMPCON sugeriu proposta de emenda à Constituição que foi acolhida pela Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção, materializada na PEC 329/2013 na Câmara dos Deputados, que altera a forma de composição dos tribunais de contas e estabelece que serão eles e seus membros fiscalizados pelo CNJ, ao passo que os membros do MP de Contas serão fiscalizados pelo CNMP, o que é coerente com os respectivos regimes jurídicos. Essa PEC está sob a relatoria do Deputado Alessandro Molón.
Também a PEC 40/2016, capitaneada pelo Senador Ricardo Ferraço, apresenta importantes avanços quanto ao funcionamento dos Tribunais de Contas, sem tratar, contudo, da questão de sua composição. Acreditamos que a reunião e aprovação dessas propostas pelo Congresso Nacional colocará o controle externo em patamar de funcionamento à altura do que a sociedade brasileira merece, espera e exige para justificar os R$ 10 bilhões gastos anualmente para manter esse sistema.
Conhecemos as propostas de criação de um Conselho Nacional dos Tribunais de Contas, muito competentemente defendida pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (ATRICON), aqui tão bem representada por seu Presidente, Valdecir Pascoal.
Embora nela vislumbremos alguns possíveis avanços relevantes para o controle externo, pensamos que os mesmos avanços poderão ser obtidos com maior segurança e menor custo para o país com a fiscalização dos Tribunais de Contas e de seus membros pelo Conselho Nacional de Justiça, que evidentemente teria de ser adaptado para albergar essa nova missão. Quanto aos procuradores de contas, nada mais natural que sejam fiscalizados pelo Conselho Nacional do Ministério Público. O debate está posto. Deus permita que avance. O Brasil quer mudanças e nós queremos ajudar a construí-las.
Por fim, permitam-me um agradecimento a todos que me ajudaram e ajudam nessa caminhada. Ã minha família que me deu e me dá a base e o esteio moral e emocional para enfrentar os desafios da jornada, aqui representada por minha esposa, minha mãe e minha irmã; aos queridos e sempre reverenciados professores de todos os tempos, aqui representados pelos Ministros Carlos Ayres Britto, de quem muito pretensiosamente me considero discípulo; aos meus colegas de carreira que tanto me honraram com sua confiança, aqui tão bem representados por Cláudia Fernanda e Diogo, aos tantos amigos feitos no TCU e no Senado Federal em minha caminhada, com quem tanto aprendo sempre e tanto (Benjamin, Múcio, Carreiro, Sherman, Bemquerer, Caribé, Rodrigo, Luiz Henrique, Astrogildo, Shirley…) e muito especialmente aos que comigo trabalham em meu gabinete, sempre tão pacientes, solidários e generosos comigo, Márcia, Fátima, Sérgio, Janaína, Carol, Fernando, André, Victória e Cláudio.
Muito obrigado a todos.
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