Alexandre Soares Silva na Crusoé: O Brasil não está na Libéria
O presente de Natal que lhes dou é que não estamos na Libéria. Aprecie bastante
Cada vez que eu vou reclamar do Brasil, lembro de um documentário da Vice sobre a Libéria que vi uma vez.
Daí penso, “Bom, pelo menos não estamos na Libéria”.
Imagine o pior do Brasil. Não os políticos corruptos, não, que isso ainda seria um avanço para a Libéria.
Os crimes horripilantes nos quais você tenta não prestar atenção quando a tevê está ligada na sala de espera de algum Dr Consulta. Pois bem, o documentário mostrava isso, um país todo disso, um país inteiro que era isso e só isso.
Disse que nossos políticos corruptos seriam um avanço para a Libéria porque eles têm políticos corruptos, obviamente, mas esses políticos corruptos liberianos, além desse lado em que são parecidos aos políticos brasileiros, são canibais ainda por cima, e tiram de vez em quando da geladeira um coração de jovem ou de criança e fritam, ou comem crus, para se manterem jovens — o que, embora deva existir em Brasília, pois lá existe de tudo, não deve ser um hábito incrivelmente frequente.
Enfim, são como os nossos mesmos políticos de sempre, só que usando colares de bracinhos infantis em volta do pescoço.
Por isso queria que este fosse o lema escrito na nossa bandeira: “Pelo menos não estamos na Libéria”.
Mas imaginem — esta bolha aqui, de comentaristas e colunistas da Crusoé, ou sua pequena bolha do Twitter, ou sua pequena bolha de comentaristas de grupos do Whatsapp, não existiriam na Libéria.
Seria um de nós só, sozinho, triste, canibal.
Leríamos Auden e não teríamos com quem comentar, e daí para nos consolar comeríamos o coração de uma criança.
E vamos e venhamos: tivemos Machado de Assis, Monteiro Lobato, Belmonte, J. Carlos, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Carmem Miranda, Noel Rosa, Tom Jobim, João Gilberto, e o Fernando Gonsales que faz o Niquel Náusea.
Já está de bom tamanho.
Podia ter acabado nos anos 60, exceto pelo Fernando Gonsales, mas não é tão ruim.
Então é isso, o presente de Natal que lhes dou é que não estamos na Libéria. Aprecie bastante. E Feliz Natal!
Às vezes me lembro daqueles caras que diziam: “Mas não se enganem, se o Lula ganhar serei o mais duro dos seus críticos”.
Algumas vezes era “o mais severo dos seus críticos”; ou, numa pequena variação estilística, “se o Lula ganhar, serei o primeiro a criticá-lo”.
Essa afirmação costumava vir nessas três opções aí.
Alguém acreditava nisso? Ninguém. Muito menos a pessoa que escrevia a frase. E, se calhar, nem o Lula.
Passei na frente da tevê e ouvi este diálogo:
— Eliane, de quantas maneiras o governo está certo?
— De pelo menos oito, Natuza.
— E você o que acha, cara que parece o Visconde de Sabugosa?
— É necessário frisar que o governo não está certo, Natuza. Está certíssimo.
— Ah, interessante a sua provocação, cara que parece o Visconde de Sabugosa.
Mas a impensa brasileira é corajosa.
Um jornalista brasileiro, sempre que chega perto do governo, fala com truculência uma dura verdade para ele: que ele tem que se valorizar mais.
Ele não está sabendo dizer com clareza suficiente o quanto é estupendo.
Não comunica como devia os seus feitos magníficos.
E isso é um defeito que a imprensa brasileira não deixa passar batido.
A imprensa dá bronca mesmo, com firmeza, neste governo. “Olha, governo, essa é uma fraqueza sua. Falo mesmo, sem papas na língua. Tem que melhorar isso.”
Dá gosto de ver. Por muito mais que isso jornalistas já foram executados em outros regimes. Por muito, muito mais.
É difícil ensinar qual é o problema com o uso de clichês ao escrever.
A pessoa que leu pouco se deparou poucas vezes com o clichê — o clichê ainda é novo para ela, e tem o charme de algo recém-criado.
Ela não vai entender a importância de evitar clichês, ou o motivo do professor riscar os clichês do seu texto.
Parece uma regra arbitrária, ou uma chatice.
Para sentir um certo nojo do clichê é preciso ter se deparado com ele muitas vezes até não aguentar mais (como as pessoas que vão muito em restaurantes e não aguentam mais ver certos pratos da moda repetidos o tempo todo).
Mas sem isso é impossível escrever bem.
Claro que há pessoas que podem ouvir o mesmo clichê a vida inteira sem se cansar.
Ainda não se cansaram do “só que não” que se falava uns quinze anos atrás; não vão cansar tão fácil assim de “chover no molhado” e coisas do tipo.
Primeiro as pessoas liam épicos em versos.
Daí acharam trabalhoso demais.
Daí passaram a ler romances.
Daí acharam trabalhoso demais.
Daí passaram a ver filmes.
Daí acharam trabalhoso demais.
Daí passaram a ver episódios de séries de 22 minutos.
Daí acharam trabalhoso demais…
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