Agamenon: Um beijo pro gordo!
É como eu sempre digo: não existe nada ruim que não possa piorar. O Brasil vai por aí: o país vive num bode sem fundo, que não termina nunca. Agora foi o meu amigo Jô Soares que morreu...
É como eu sempre digo: não existe nada ruim que não possa piorar. O Brasil vai por aí: o país vive num bode sem fundo, que não termina nunca. Agora foi o meu amigo Jô Soares que morreu. E morrer não é pra qualquer um; a prova disso é o falecimento do meu amigo Jô Soares, com quem dividi muitas conversas, mulheres maravilhosas e algumas refeições, porque ele comia tudo e não deixava nada pra mim.
O Jô foi de tudo um muito: humorista, comediante, entrevistador, romancista, diretor de teatro e cinema. Jô Soares não cabia dentro dele mesmo; por isso, tinha de mandar fazer tudo sob medida na Camisaria Varca. E olha que espaço nunca faltou. Nasceu em berço de ouro, mas, como seu pai perdeu todo o dinheiro, a família teve que colocar no “prego” a mobília dourada do bebezão. Só restava ao rechonchudo rapaz trabalhar, e ele se dedicou com unhas e dentes ao ofício de humorista porque era engraçado sem fazer força. Talento de peso, Jô só precisava fazer força com o garfo e com a faca, e sempre fez muita. Mas foi só começar a cobrar ingresso para que todos descobrissem o enorme talento daquele gordinho simpático que vivia mergulhando na piscina do Copacabana Palace e molhando todos em volta. A família do Jô, na pindaíba, morava de favor no aristocrático hotel carioca em cuja sacada o então adolescente José Eugênio Soares, com gestos dramáticos, fingia que ia se atirar em cima das atrizes de Hollywood que, de biquini, tomavam sol na pérgula.
Jô começou na chanchada, gênero cinematográfico popular que foi destruído pelo Cinema Novo porque atraía multidões. Por gostar de fazer sucesso, Jô migrou para a televisão, onde fez de tudo um pouco. E um muito também. Foi, com Carlos Alberto de Nóbrega, um dos criadores da “Família Trapo”, em que também interpretava o mordomo Gordon ao lado do genial Ronald Golias, o Bronco, que na época era um dos dois brasileiros mais famosos —o outro era o Pelé.
Jô Soares também era um sujeito inquieto e estava sempre procurando coisas novas. Como fazia tudo bem, uma vez decidiu emagrecer, mas não achou muita graça no resultado e acabou voltando à velha forma: a forma redonda. Jô Soares nunca processou ninguém por chamá-lo de “gordo”,“baleia”,“rolha de poço”,“OB de elefanta” e outras metáforas; ao contrário, assumia a gordura com a mesma tranquilidade que com seu peso, charme e inteligência “esmagou” as mulheres mais bonitas do Brasil. Para Jô Soares, comediante não tinha que ser politicamente correto, e sim humoristicamente engraçado.
Showman desde criancinha, foi para a Globo, onde enfileirou uma série de programas de humor antológicos: “Faça Humor, Não Faça Guerra”, “Satiricom”, “O Planeta dos Homens” e o clássico “Viva o Gordo”. Sempre bem acompanhado pelos melhores humoristas do gênero, como Renato Corte Real, Agildo Ribeiro e Paulo Silvino. Seus personagens entraram para a história: Capitão Gay, Gardelón, Lelé (em dupla com o Da Cuca), Zé da Galera, Padre Carmelo, o Reizinho etc.
Mas o guloso Jô queria mais. Seu espetáculo solo “Viva o Gordo, Abaixo o Regime” ficou anos em cartaz, e olha que naquela época stand-up ainda se chamava show. Teimoso e obstinado, seu sonho era trazer o talk show americano para o Brasil. Como a “Grobo” não topou, se mudou de mala e cuia para o SBT e emplacou mais um sucesso: “Jô Soares Onze e Meia”, onde entrevistou Deus e o mundo, embora o Todo-Poderoso nunca tenha ido ao programa por causa de sua agenda cheia. De volta à “Grobo”, apresentou o Programa do Jô, onde entrevistou uma quantidade de gente só superada pelo total de ex-BBBs. Jô viveu sempre muito ocupado, mas, só pra humilhar, resolveu virar escritor best-seller e enquanto dormia —ou seja, nunca— escreveu o formidável “O Xangô de Baker Street”.
Pois é, a Terra não é plana, mas o mundo vai ficar cada vez mais chato sem o grande Jô Soares.
Agamenon Mendes Pedreira é escravo de Jô.
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