Artigo: A reinvenção do crime
O delegado Eugênio Ricas, adido da Polícia Federal nos EUA e mestre em gestão pública, escreveu um artigo exclusivo para O Antagonista sobre a cooperação com o FBI em investigação recente que levou à prisão dois hackers...
O delegado Eugênio Ricas, adido da Polícia Federal nos EUA e mestre em gestão pública, escreveu um artigo exclusivo para O Antagonista sobre a cooperação com o FBI em investigação recente que levou à prisão dois hackers.
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Recentemente, as imprensas brasileira e internacional noticiaram a prisão de dois hackers israelenses que atuavam na chamada darkweb (parte da internet que requer softwares, configurações ou autorizações especiais para o acesso). Um deles foi preso em Israel, o outro, preso em Paris, residia em uma bela casa, no Lago Sul, em Brasília.
Do Brasil, o criminoso criou um sistema que produziu vítimas em vários locais do mundo, inclusive nos Estados Unidos.
Por esse motivo, a Polícia Federal e o FBI trabalharam juntos. Aliás, as investigações, que culminaram com a prisão dos dois suspeitos, duraram mais de um ano. Verdadeiro exemplo de como a cooperação e o compartilhamento de informações podem ser decisivos para desbaratar os mais complexos e sofisticados esquemas criminosos.
A engenharia do crime é inédita e surpreendeu, até mesmo, as autoridades americanas. Os hackers criaram um site na darkweb que indexava os principais mercados ilegais da internet.
Além de apontar os principais comerciantes de tudo quanto é coisa ilegal na web, o site também instruía os usuários a como utilizar, de “forma segura”, ou seja, evitando a ação da polícia, o endereço na rede de computadores. Drogas, armas, pornografia infantil, medicamentos ilegais, ferramentas hackers, dados bancários das pessoas, enfim, uma infinidade de produtos era oferecida e comercializada livremente por criminosos que eram “indicados” pelos suspeitos presos pela PF e FBI.
Durante as investigações, ainda em 2018, a PF chegou a cumprir um mandado de busca e apreensão na casa do suspeito, que residia em Brasília. Na ocasião, foram apreendidos cerca de um milhão de reais, em espécie (moeda estrangeira e reais). Esse montante, escondido em uma residência, permite se ter uma pequena noção do quão lucrativo era o negócio desenvolvido pelos criminosos.
Infelizmente, boa parte das transações realizadas na darkweb movimentam as chamadas bitcoins ou criptomoedas, o que acaba por dificultar uma estimativa mais precisa dos valores negociados.
Para cada operação realizada, ou seja, cada vez que um comprador adquiria drogas, ou dados bancários de criminosos, o site dos israelenses, criado para indicar o mercado ilegal, ganhava uma comissão. Faturaram alto sem precisar colocar a mão em produtos ilícitos. Não precisaram comprar e revender drogas, armas ou qualquer outro bem ilegal. Não correram risco de serem mortos pelas atividades ilegais que praticaram.
Da tranquilidade de suas casas, operaram na darkweb, simplesmente indicando os criminosos que efetivamente botam a mão na massa. Segundo as autoridades americanas, o esquema criminoso movimentou milhões de dólares. É a reinvenção do crime.
Algumas lições podem ser extraídas desse belo trabalho realizado pela equipe que combate os crimes cibernéticos na Polícia Federal, juntamente com o FBI. A criatividade humana não tem limites. Os criminosos, dia após dia, se reinventam e desenvolvem novos mecanismos para praticar crimes, obter lucros e impedir o trabalho das polícias. Estas, por sua vez, precisam investir, como nunca, em inteligência e capacitação de seus recursos humanos. O crime não possui mais fronteiras, portanto, para combate-lo é imprescindível a união de esforços das agências de segurança de todos os países. Com boa cooperação internacional, compartilhamento de informações e, principalmente, confiança entre as polícias é possível vencer a criminalidade transnacional, não importa quão sofisticado ou inovador seja o esquema criminoso.
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