Segue a briga entre as esquerdas na UERJ
“Só não podemos aceitar depredação, violência, assédio e ofensas”, diz reitora. Ex-reitor petista sai em defesa de alunos que invadem salas e bloqueiam acessos
A reitora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Gulnar Azevedo e Silva, recebeu jornalistas na quinta-feira, 22 de agosto, para esclarecer dúvidas sobre as questões já devidamente explicadas em análise de O Antagonista, publicada na quarta, 21.
Um protesto contra a redução do número de alunos não cotistas beneficiados com 706 reais mensais da Bolsa de Apoio à Vulnerabilidade Social (BAVS) – auxílio criado para vigorar durante a pandemia de Covid-19, encerrada em maio de 2023 – resultou em invasão de salas da Reitoria e bloqueio de acesso a prédios da UERJ.
Ao lado do vice-reitor Bruno Deusdará, Gulnar defendeu o Ato Executivo de Decisão Administrativa (Aeda) 38/2024, que restringiu a BAVS a alunos com renda familiar bruta de até meio salário mínimo, em vez de até um salário mínimo e meio, como a universidade contemplava até julho. O objetivo, segundo ela, é assegurar o pagamento de bolsas e auxílios a quase nove mil cotistas e aos mais vulneráveis que ingressaram por ampla concorrência.
“Sempre estivemos abertos ao diálogo, recebendo as entidades representativas dos alunos, bem como dos servidores técnicos administrativos e docentes. Reconhecemos a importância e a legitimidade do movimento estudantil, defendendo que eles possam criticar as ações tomadas. Só não podemos aceitar formas não naturais de protesto, como depredação do patrimônio público, violência, assédio e ofensas. Contudo, continuamos empenhados em restabelecer e manter o diálogo”, afirmou Gulnar.
Ela ressaltou que os auxílios alterados pelo Aeda 38/2024 foram criados durante a pandemia, quando houve sobra de recursos orçamentários.
“Na época, a comunidade não foi informada de que não havia sustentabilidade. Desde que assumimos, em janeiro, estamos trabalhando, inclusive com o governo do estado, para garantir os pagamentos, estabelecendo critérios visando aperfeiçoar a política de permanência estudantil da UERJ, que muito nos orgulha, pois foi a primeira iniciativa do tipo no Brasil”, alegou Gulnar. “Entendemos que ela deve ser mantida, não só com bolsas e auxílios que porventura sejam necessários, mas com acompanhamento pedagógico e atendimento psicossocial, para que os estudantes possam concluir seus cursos”, acrescentou a reitora, reforçando que nenhuma Bolsa Permanência, no valor de 706 reais, destinada aos cotistas, foi cortada.
Universidade subfinanciada
Os gestores destacaram que, historicamente, a universidade, bem como outras instituições públicas de ensino superior, sempre foi subfinanciada, recebendo recursos insuficientes para realizar todas as suas atividades. Segundo o vice-reitor, até o mês de agosto, a UERJ investiu cerca de R$ 111 milhões na assistência estudantil, montante superior à dotação inicial de R$ 96 milhões para todo o ano de 2024.
“Para efetuar o pagamento de setembro a dezembro, precisamos de uma suplementação de R$ 50 milhões. A Reitoria precisava agir para garantir as bolsas e os auxílios, especialmente dos estudantes mais pobres e dos cotistas”, alegou Bruno Deusdará.
Na última segunda-feira, 19, a Reitoria apresentou a integrantes do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e dos Centros Acadêmicos (CAs) uma solução intermediária para a crise, garantindo àqueles que deixarão de receber a BAVS um benefício emergencial no valor de 400 reais até dezembro, além da tarifa zero no Restaurante Universitário (RU). Segundo a gestão, ainda será analisada, caso a caso, a possibilidade de enquadrar esses alunos como cotistas, mediante análise de documentação. Também foi lembrado que o auxílio-alimentação de 300 reais continuará sendo pago a quem estuda em campus onde não há RU; e que o auxílio-creche, agora auxílio primeira infância, foi mantido para todos os atuais beneficiários.
Quem aproveitou o embate entre a atual gestão da UERJ e alunos insatisfeitos com a Aeda 38/2024 para tentar faturar politicamente foi o ex-reitor Ricardo Lodi. Ele publicou um vídeo “sobre a alegada violência dos estudantes da UERJ em suas manifestações contra o Aeda da Fome”, no qual, citando um poema de Bertold Brecht, acusou a Reitoria de “criminalizar aqueles que sofrem com as suas políticas”. “Não podemos deixar ninguém para trás”, concluiu.
Advogado de Dilma Rousseff
Antecessor de Gulnar no cargo, Ricardo Lodi foi um dos advogados de Dilma Rousseff no processo de impeachment de 2016. A convite do também petista André Ceciliano, ele deixou a gestão da universidade em abril de 2022 para se candidatar a deputado federal pelo PT, mas não foi eleito. Sua renúncia como reitor foi anunciada por ele no evento “Encontro Internacional Democracia e Igualdade”, realizado no campus da UERJ, com a presença do então candidato Lula.
O professor Mario Sergio Carneiro, até então vice-reitor, assumiu o mandato-tampão e tentou a reeleição, mas foi derrotado por Gulnar, professora e médica sanitarista do Instituto de Medicina Social Hesio Cordeiro (IMS). Em 2022, ela endossou um manifesto em apoio à candidatura de Lula. Em seu Instagram, Gulnar aparece em fotos com a primeira-dama Janja, as ministras Nísea Trindade (Saúde) e Anielle Franco (Igualdade Racial), além de petistas como o ministro Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social) e a deputada federal Maria do Rosário.
Em junho de 2023, Ricardo Lodi se tornou figura central no escândalo das folhas secretas da UERJ, no qual o Ministério Público do Rio (MPRJ) viu rachadinha e abuso de poder político.
A universidade, de acordo com o UOL, pagou R$ 789 mil a 73 cabos eleitorais de 17 candidatos de partidos de esquerda: PT, PV, PSB, PCdoB, PSOL e PDT. A maior parte trabalhou para candidatos do PT a deputado que fizeram campanha ao lado do ex-reitor. Segundo o portal, a UERJ desembolsou R$ 433 mil à família (sogra e esposa) do coordenador da campanha eleitoral de Lodi, Samuel Marques dos Santos.
Em agosto de 2023, Lodi ainda passou a ser investigado pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) por gastos de R$ 640 milhões com remuneração de pessoal, em 21 projetos de pouca transparência ao longo de 2021 e 2022, durante sua gestão na universidade.
Como O Antagonista havia destacado na análise anterior, citando o autor americano Dennis Prager, a esquerda lulista explora tanto o sentimento de ‘direito’ das massas quanto o ressentimento delas contra quem corta o que já foi dado, notadamente quando o corte é feito por rivais políticos, mesmo que na esteira de crises econômicas e escândalos de corrupção deixados por gestões petistas.
Ricardo Lodi confirma a tese. Na UERJ, um lado da esquerda lulista explora o ressentimento de alunos até contra outro lado da esquerda lulista.
Está garantida a “sustentabilidade” da briga.
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