'Privatização das praias' é perigo inexistente. Falemos do que interessa 'Privatização das praias' é perigo inexistente. Falemos do que interessa
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‘Privatização das praias’ é perigo inexistente. Falemos do que interessa

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Carlos Graieb
5 minutos de leitura 03.06.2024 14:04 comentários
Análise

‘Privatização das praias’ é perigo inexistente. Falemos do que interessa

PEC em discussão no Senado pode revolucionar perfil de propriedade dos terrenos litorâneos, mas não fechar acesso a praias

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Carlos Graieb
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‘Privatização das praias’ é perigo inexistente. Falemos do que interessa
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Está toda embaralhada a discussão sobre a PEC 39/2011, apelidada de PEC da privatização das praias. 

Depois da briga virtual entre a ex-atriz Luana Piovani e o jogador Neymar, na semana passada, consolidou-se ainda mais a ideia de que o principal efeito dessa inovação legal seria restringir o acesso de pessoas comuns a faixas do litoral. 

Não é disso que se trata.

Ninguém vai perder as praias

As praias são bens de uso comum do povo, assim definidas pela lei que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, em 1988.

Isso não vai mudar caso a famigerada PEC, que já passou pela Câmara, venha a ser aprovada pelo Senado. 

O que as novas regras podem incentivar é a concentração de grandes áreas nas mãos de poucos proprietários. 

Isso estava bem claro em 2019, quando Jair Bolsonaro, então presidente da República, passou a defender a ideia incorporada na PEC 39.

Modelo Cancún de turismo?

Ele disse que desejava ver surgir uma “Cancún brasileira” no Rio de Janeiro. Ou seja, uma região repleta de resorts à beira-mar

As praias de Cancún, no México, não são fechadas. Qualquer pessoa pode usá-las. O que se implantou por lá foi um modelo de ocupação turística do litoral que a PEC 39, aí sim, pode facilitar por aqui.

“Privatização das praias” é um problema inexistente. A adoção desse slogan serve para bloquear discussões muito mais úteis e importantes. 

O “modelo Cancún de turismo” interessa ao Brasil?

Os “terrenos de Marinha”, uma herança da era colonial, são a melhor ferramenta para controlar a ocupação do litoral e preservar a natureza costeira?

Terrenos de Marinha

O verdadeiro tema da PEC 39 são os terrenos de Marinha – aqueles situados numa faixa de 33 metros, a partir do ponto mais alto atingido pela maré em medições de 1831 (pois é). 

A União é dona dessas áreas, mas atualmente há mais de 530 mil terrenos desse tipo nas mãos de particulares, que pagam taxas ao governo federal como ocupantes ou foreiros.

O que está em discussão é a transferência definitiva da propriedade dos terrenos a quem já está neles. Ela seria gratuita em áreas ocupadas por habitação de interesse social e onerosa nos demais casos. 

O governo como senhorio

Há bons motivos para acabar com essa situação, a começar pelo aumento da segurança jurídica para quem mora ou construiu um negócio nos tais terrenos de Marinha. A maior parte dessas áreas tem limites incertos (pouco mais de 20% foram demarcadas até hoje), o que enseja diversos conflitos. 

Além disso, taxas de ocupação e laudêmios são uma renda que a União obtém dos seus terrenos. Mas o governo não deveria ser uma espécie de rentista, um senhorio dos cidadãos que vivem e trabalham no litoral. 

Um dos sérios problemas da PEC 39 é que ela estabelece um período máximo de dois anos para que a transferência do domínio seja concluída. Ou seja, os atuais ocupantes teriam dois anos para pagar o preço estabelecido pela União e assim se tornarem definitivamente donos de seus terrenos. 

É possível imaginar o volume de discussões administrativas e judiciais sobre valores que vão nascer daí. 

Mas há outra questão ainda mais significativa: e se a pessoa que está no terreno não quiser ou não puder pagar por ele? Terá de sair ou transferir seu terreno a terceiros? A própria União poderá transferir a propriedade a terceiros? 

Concentração de propriedade

Nessas hipóteses vê-se a possibilidade de que haja concentração de terras nas mãos de incorporadoras e investidores em um curtíssimo espaço de tempo. Eles terão o dinheiro que faltará a muitos ocupantes.

Trata-se, portanto, de uma potencial revolução no perfil de propriedade dos terrenos litorâneos no Brasil – e não de uma caricata “privatização das praias”, vamos repetir.

Neste ponto, é bom lembrar que, em 2019, Jair Bolsonaro se comportou como um corretor de imóveis e não como presidente da República ao propagandear seu sonho da “Cancún brasileira”

“Eu tenho proposta de um xeque de investir US$ 1 bilhão ali para ser transformado em algo melhor que Cancún”, disse ele naquela época, sobre Angra dos Reis, em meio a um giro pelo Oriente Médio. 

Possibilidades em aberto

Há bons motivos para ficar de orelha em pé quando um político diz ter uma proposta de negócio na manga, bastando mudar a Constituição para que a transação dê certo. Sério mesmo? E comissão, também vai ter?  

Hoje, Flávio Bolsonaro (foto) é relator da PEC 39 no Senado. 

Nem isso, contudo, deveria impedir que uma discussão mais qualificada aconteça sobre o assunto. Muitas coisas podem resultar do fim dos terrenos da Marinha – tanto negociatas, quanto verdadeiro progresso econômico; tanto devastação ambiental quanto preservação melhor do que acontece hoje em dia. 

Discutamos a PEC da Cancún Brasileira, com seus riscos e possibilidades verdadeiros, em vez da fantasiosa PEC da privatização das praias.  

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Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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