O dia em que Elon Musk e o STF farão as pazes
Não será estranho se os ministros do Supremo e o dono do X daqui a pouco fizerem as pazes. O bilionário tem uma empresa que pretende fazer voos comerciais para o espaço sideral
Um evento em Londres, dois em Madri, compõem a agenda dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes (à direita na foto) em menos de 15 dias. A reportagem está na Folha de S. Paulo.
Essa estimulante jornada intelectual (sim, contém ironia) começou na última sexta, 26, quando ambos participaram de um seminário organizado pelo Grupo Voto, de empresárias e executivas, na capital do Reino Unido. O ministro Alexandre de Moraes (à esquerda na foto), colega de ambos, também estava presente, além do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e de autoridades do governo e de outros tribunais.
O primeiro compromisso na capital espanhola ocorrerá na próxima sexta, 3. Trata-se de um fórum sobre transformação digital e democracia, que tem o Instituto de Direito Público (IDP), faculdade de que Gilmar é dono, entre os patrocinadores. Dessa vez, Kassio Nunes Marques é o colega que os acompanha, juntamente com Gonet e ministros do STJ.
Maratona no exterior
Depois disso, entre os dias 6 e 8, as palestras são organizadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que pretende discutir segurança jurídica e tributação. Todos os nomes mencionados acima, exceto Moraes, estarão presentes. Mas o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, se juntará ao grupo. Mais uma vez, integrantes de diversos tribunais brasileiros vão comparecer.
Toda essa maratona de eventos no exterior levanta dúvidas sobre o financiamento das viagens. A Folha encaminhou pergunta ao STF, que disse não custear passagem e estadia nesse tipo de evento. É o caso de perguntar se o mesmo vale para a PGR e para outros tribunais que enviam representantes.
Mas essa não é a única questão relevante. Cada vez mais, parece que a “elite” jurídica e empresarial brasileira só se sente à vontade para discutir o Brasil bem longe daqui, no hemisfério norte.
Tradição
Alguns encontros já se tornaram tradicionais, como aquele organizado pelo IDP em Lisboa, que caminha para sua décima segunda edição neste ano. É comum que empresários com causas complicadas nos tribunais superiores sejam vistos cochilando nos seminários e confraternizando animadamente com os ministros nas festas que vêm depois.
Uma década atrás, era comum ver empresas patrocinarem encontros com magistrados em resorts brasileiros. Isso parece ter se tornado démodé, coisa de jeca. Só mesmo os Estados Unidos ou países da Europa parecem oferecer o encapsulamento adequado para esse tipo de relacionamento.
Passagens de avião não são baratas, ainda mais se executivas ou de primeira classe. Mas as causas que tramitam nos tribunais podem envolver milhões e milhões de reais. O acesso ao ouvido dos juízes, para transmitir ideias, ou o acesso antecipado ao seu entendimento sobre questões que afetam a economia e os negócios, têm valor inestimável. Isso é o que preocupa nessas reuniões, mais ainda do que a questão de quem paga a passagem.
Grupo Voto
No evento do Grupo Voto, na semana passada, a imprensa foi barrada. Não pôde assistir às palestras e nem sequer ter acesso ao andar do hotel luxuoso onde elas aconteciam. Isso trouxe à superfície, de maneira brusca, a motivação profunda, não declarada, desse tipo de encontro realizado no exterior: tornar o acesso privilegiado ainda mais privilegiado, o exclusivo ainda mais exclusivo.
Busca-se privatizar completamente o trato com as autoridades – de tal forma que nem mesmo as suas falas iniciais, em geral anódinas, se tornam conhecidas.
O mundo atual é conectado demais para que a privacidade seja absoluta, como gostariam as partes. O Brasil sempre tenta meter o bedelho, como fizeram os jornalistas em Londres, na semana passada, ou comparece com os seus maus bofes, como fizeram manifestantes às vésperas das eleições de 2022, em Nova York, assediando ministros do STF que visitavam a cidade para participar de um almoço do Lide, a empresa de promoção de eventos e lobby do ex-governador de São Paulo João Doria.
“Pensar o Brasil” em lugares onde os brasileiros mais precisam de justiça e soluções práticas para suas vidas talvez trouxesse resultados, mas não seria confortável.
Assim, deve-se esperar a busca por localidades cada vez mais distantes e insuladas onde autoridades e iniciativa privada possam criar seus grandes projetos para o país.
Talvez chegue o dia em que o STF e Elon Musk façam as pazes. O bilionário tem uma empresa que pretende levar gente fina ao espaço sideral em voos comerciais.
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