O Antagonista

O Brasil tacanho onde Ziraldo ameaça as crianças 

avatar
Carlos Graieb
4 minutos de leitura 19.06.2024 21:50 comentários
Análise

O Brasil tacanho onde Ziraldo ameaça as crianças 

Prefeitura mineira cede a campanha e tira livro 'O Menino Marrom' das salas de aula

avatar
Carlos Graieb
4 minutos de leitura 19.06.2024 21:50 comentários 1
O Brasil tacanho onde Ziraldo ameaça as  crianças 
Foto: Divulgação

A secretaria da educação de Conselheiro Lafaiete, uma cidade em Minas Gerais, mandou suspender o uso do livro O Menino Marrom, do célebre Ziraldo, nas salas de aula da rede municipal. 

Foi por causa de dois trechos, que levaram o pai de um aluno a considerar que a história “induz as crianças a cortar os próprios pulsos e a fazer maldade”.

Um pastor bastante conhecido na cidade fez um vídeo-denúncia sobre essas passagens em suas redes sociais: “É um verdadeiro absurdo o conteúdo desse livro!”, diz ele, com música de programa policial ao fundo.

Depois disso, a prefeitura optou por interromper as atividades com o texto.  

Coisas de criança

O livro fala da amizade entre o Menino Marrom e o Menino Cor-de-Rosa. A certa altura, de maneira teatral, eles decidem fazer um pacto de sangue. Chegam a pegar uma faca para, sim, cortar os pulsos – não querem se ferir, apenas sacramentar sua amizade. Imediatamente, eles perdem a coragem (exatamente como costumam fazer meninos com suas ideias malucas). Decidem trocar a faca por um alfinete. Mas também perdem a coragem de furar o dedo e acabam selando seu pacto com tinta azul.  

Esse é o primeiro trecho.  

No segundo (que, na verdade, vem antes na história), o Menino Marrom quer ajudar uma velhinha a atravessar a rua, mas ela lhe dá um tapa na mão. Ele então passa a acordar cedo todos os dias para observar a mulher a caminho da igreja. Até que o Menino Cor-de-Rosa o acompanha numa dessas manhãs e pergunta o motivo dessa rotina. “Eu quero ver ela ser atropelada”, responde o Menino Marrom. E o narrador comenta, filosófico: “Como pode durar este jogo de deus e de diabo em peito de menino?” 

Sem motivo para pânico

Pois então. Objetivamente, há no livro uma cena em que duas crianças pensam em cortar os pulsos para fazer um pacto de sangue.  

Objetivamente, existe uma outra cena – politicamente incorreta! – em que um menino deseja que a velhinha que o maltratou seja atropelada.  

Mas, objetivamente, será que existe motivo para tanto pânico diante desse livro que foi lançado em 1986 e já tem uma longuíssima trajetória de leitura nas salas de aula?  

É claro que não.  

Narrar x induzir

Para começo de conversa, o texto não induz ninguém a nada, ao contrário do que dizem o pai e o pastor alarmados. 

Não existem argumentos em favor da autoflagelação ou dos maus sentimentos em relação a velhinhas, nenhuma tentativa de conduzir o leitor à conclusão de que esses são comportamentos desejáveis.

Narrar acontecimentos não é o mesmo que procurar convencer alguém de uma tese. Dizer que o livro “induz” crianças ao que quer que seja distorce o sentido dessa palavra e também os propósitos de Ziraldo.  

Covardia no governo

O episódio em Minas Gerais é triste por mostrar como as pessoas se afastaram da experiência da leitura, sobretudo de ficção. Livros como O Menino Marrom não agem sobre o seu público da mesma forma que vídeos nas redes sociais – esses sim, com frequência querem induzir o espectador a fazer isto ou aquilo imediatamente.  

O mais grave do episódio, contudo, é a covardia do governo municipal. A secretaria de Educação fez uma defesa morna e protocolar do livro de Ziraldo. Decidiu contemporizar, em vez mostrar como as preocupações dos pais poderiam ser abordadas e contornadas em sala de aula. Desvalorizou o trabalho de seus professores.  

Medo e julgamentos apressados são inimigos da educação. Conselheiro Lafaiete os fortaleceu ao ceder tão facilmente à histeria. Ajudou o Brasil a se tornar mais tacanho.  

Esportes

Gabigol: saiba o que o Santos ofereceu para ter o atacante

30.06.2024 17:36 3 minutos de leitura
Visualizar

Entenda como ocorre o "congelamento" do mar

Visualizar

Mauricio Barbieri treina clube mexicano que luta contra narcotráfico

Visualizar

Foguete da China cai após o lançamento

Visualizar

Brasil bate 300 mil homicídios sem causa definida

Visualizar

Empresário diz que pediu para Neymar não ir para o PSG

Visualizar

Tags relacionadas

censura educação literatura Minas Gerais Ziraldo
< Notícia Anterior

Relator da PEC da Anistia propõe Refis para os partidos políticos

19.06.2024 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Homem é assassinado na porta da creche após deixar criança

19.06.2024 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (1)

MARCOS ANTONIO RAINHO GOMES DA COSTA

2024-06-20 14:42:24

COM CERTEZA, DA CIDADE CITADA SAIRÃO ADOLESCENTES MAIS BHURROS.


Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Irresponsável Mente

Irresponsável Mente

Rodolfo Borges
29.06.2024 10:45 4 minutos de leitura
Visualizar notícia
O discreto 'Fachinpalooza' dá lição ao 'Gilmarpalooza'

O discreto 'Fachinpalooza' dá lição ao 'Gilmarpalooza'

Rodolfo Borges
28.06.2024 16:44 3 minutos de leitura
Visualizar notícia
O “pânico profundo” da esquerda com as “fraquezas gritantes” de Joe Biden

O “pânico profundo” da esquerda com as “fraquezas gritantes” de Joe Biden

Felipe Moura Brasil
28.06.2024 08:38 5 minutos de leitura
Visualizar notícia
Cretinice é deixar o brasileiro mais pobre que todos os emergentes

Cretinice é deixar o brasileiro mais pobre que todos os emergentes

Rodrigo Oliveira
27.06.2024 16:33 3 minutos de leitura
Visualizar notícia

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.