Nunes se curva ao pior do bolsonarismo
Prefeito e candidato à reeleição colabora com esforço para reescrever a história da pandemia
A minoria bolsonarista continua tentando coagir políticos a se posicionar contra a ciência e as vacinas.
Continua querendo, em outras palavras, impor a ideia de que as medidas de maior prudência adotadas durante a pandemia de covid-19 – vacinação obrigatória e lockdowns – estavam erradas, e que a solução correta era o “liberou geral” proposto por Jair Bolsonaro.
Nesta terça-feira, 17, o prefeito Ricardo Nunes, candidato à reeleição pelo MDB, deu entrevista a um blogueiro de extrema direita que abordou o tema.
Disse Nunes: “Hoje, com toda a experiência acumulada, sou contra a obrigatoriedade da vacina. Foi um momento difícil e complexo, mas minha convicção agora é que a obrigatoriedade foi um erro.”
Vacina obrigatória e passaporte
Nesta sexta-feira, 20, em debate no SBT, ele mudou um pouco o discurso e disse que não teria adotado o passaporte vacinal, ou seja, não teria obrigado pessoas a apresentar comprovante de vacina para acessar determinados espaços e eventos na cidade.
“Se fosse hoje, eu não teria feito o passaporte da vacina”, afirmou ele.
Afinal, qual é a crença de Ricardo Nunes sobre vacinação? O que se deve esperar dele, caso o país se veja novamente diante de uma pandemia? Fiz essas perguntas à campanha do prefeito, observando que seus posicionamentos soavam ambíguos.
Vacinação obrigatória e passaporte vacinal são conceitos relacionados, mas não são sinônimos.
O segundo é uma maneira (não a única) de induzir as pessoas a tomar a vacina, assim como lombadas e radares são maneiras de induzir as pessoas a acatar os limites obrigatórios de velocidade.
Resposta da campanha
Assim como Nunes no debate do SBT, sua assessoria ressaltou que São Paulo foi “a capital mundial da vacina” e que não faltou atendimento a ninguém.
Além disso, procurou relacionar as declarações sobre obrigatoriedade ao contexto específico da Covid e não a situações futuras.
A avaliação de que não era preciso criar obrigatoriedades, diz a campanha, é feita em retrospecto, com base no conhecimento hoje disponível sobre a doença – e não significa que o candidato não defende vacinas e campanhas de vacinação.
A campanha de Nunes defende que seu posicionamento não é ambíguo. Concordo.
Passando pano
O prefeito se curvou sem restrições ao que houve de pior no bolsonarismo.
Passou a colaborar com o esforço para limpar a barra de um movimento que se esforçou como pôde para desacreditar a ciência (tradução: aqueles cuja preocupação era salvar vidas) em nome da conveniência (manter a economia funcionando a pleno vapor, por medinho que uma recessão atrapalhasse os planos de reeleição de Bolsonaro).
Com base em quais “dados” a campanha do emedebista sustenta que todos os esforços para reduzir as chances de contágio com medidas restritivas e ampliar o alcance da vacinação foram exagerados? Em mensagens de WhatsApp com interpretações distorcidas de pesquisas científicas?
Vacina vale a pena
Circulou muito em fevereiro deste ano, por exemplo, um resumo do estudo da Global Vaccine Data Network, que analisou 99 milhões de pessoas vacinadas com três tipos de imunizantes.
Sim, ele confirmou o risco de que as vacinas, como qualquer remédio, provoquem efeitos colaterais. Analisou 13 eventos adversos, como tromboses, problemas no coração ou síndrome de Guillain-Barré e, em alguns casos, detectou mais ocorrências do que o inicialmente esperado.
Mas o bolsonarismo omitiu a conclusão geral do estudo: os eventos continuam sendo raros do ponto de vista estatístico e os riscos da vacina são muito menores do que os associados à própria covid.
Ao dar respaldo à narrativa bolsonarista sobre a pandemia, Ricardo Nunes cava espaço para o obscurantismo e para a ignorância arrogante no debate sobre saúde pública.
Não foi à toa a resposta do ex-secretário de Saúde do governo do Estado de São Paulo, Jean Gorinchteyn, diante das declarações de Nunes: “Resumo meu sentimento: decepção.”
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